sexta-feira, 17 de julho de 2009

Capítulo 23 - A Garrafa

O Francês aproximou-se e disse:
- Poderia devolver minha garrafa?
Silenciado e pensante fiquei. Porque havia tanto de pedir esta velha garrafa que nem mesmo os mosquetes e o canhonete pode destruir? Lacrada por uma simples rolha que não podia ser tirada, mantendo aquela fumaça cinza aprisionada neste frasco outrora transparente, mas meus pensamentos foram interrompidos.
- Amigo? - chamou-me com olhar indagador sob meu desvaneio.
- Sim, desculpe-me, posso sim - respondi prontamente enquanto dirigia-me a cabine próxima e peguei minha bolsa de couro indiano. - Aqui está. - Tirei-lhe sua desejada garrafa e dei mais uma olhada antes de passar a suas mãos, continuava enegrecida.
- Obrigado. - Respondia enquanto seus olhos umideciam de alegria ao vê-la. - Obrigado, meu amigo.
Tão quanto passou a suas mãos a fumaça agitou-se e a transparência ressurgiu, tamanho choque ao ver isso que tentava em vão abotoar a bolsa, meus olhos fixaram na mudança do frasco indestrutivel.
- Co....mo....isssso? Co...mo fe.....z iss.....sssooo?
Parecia não me ouvir apenas admirava o que agora reluzia em seu interior.
- Co....moooo que....
- Sabe, meu amigo, faço com o Amor.
- Amor? O que Amor tem a ver com isso?
- Tudo, capitão, tudo. - silenciou, mas antes de continuar a lhe questionar prosseguiu virando-se para a o céu limpido à frente. - Amar é como pegar uma rocha e ver nela a estátua que está oculta, e embora levem meses e as vezes anos, despertá-la e trazer aos olhos do mundo a mais bela arte-forma.
- Mas.....
- E o Amor - continuou aproximando-se da proa - é a consumação de que és rocha e artista. Pegue-a - estendeu-me o braço com a garrafa agora trasparente.
Sem questioná-lo o fiz, mas quando estava para tocá-la, ele a soltou e assim caiu, caiu, caiu..... e enquanto caia, vi que no seu interior residiam pétalas..... A garrafa tocou o chão e no mesmo instante espatifou-se em milhares de pedaços, espalhando-se por todo convés. Eu, que não havia me preocupado com seu cair sendo ela indestrutível, num ato desesperado tentei segurar os pedaços que voavam.
Ele não parecia se importar, olhando o horizonte negro desta bela noite, e disse como que lendo minha mente.
- Deves tomar cuidado para que a certeza da cura não o acomode da tentativa de evitar a dor, o caminho pelo o qual chega-se é tão mais importante que o tempo decorrido e o local final.
- Mas......mas....... - dei por fim - desculpe-me!
- Estas não existem.
- Como não? Achas que não me importa?
Fez-se em silencio.
- Francês?
Sorriu e virou-me.
- Porque chamam-me assim? Uma roupa é motivo para ter alguem por inimigo e julgar sua existência a ponto de terminá-la ou não?
- Não és Francês? - Perguntei receosamente
- Porque haveria de ser? E não preocupe-se com a garrafa, ja estava velha mesmo.
Inconscientemente olhei o chão cheio de pedacinhos de vidro e a culpa me assolava, até que pensei e o fiz, peguei outra garrafa vazia que havia ali no convés e cuidadosamente coloquei as pétalas envelhecidas dentro, após faze-lo, fechei-a com a mesma rolha que estava perdida por debaixo de umas cordas.
- Novamente, desculpe-me, aqui estão suas pétalas. - estendi-lhe o braço.
Virou-se novamente e sorriu.
- Não são mais minhas pétalas. Esta Garrafa é Sua.
Ao dizer isso olhei-a e vi que dentro dela havia uma linda rosa, tão linda como jamais havia visto, estava inteira, com caule, espinhos e folhas, cheia de vida e parecia brilhar.
- Engraçado, ela fica mesmo enegrecida para outros. - disse-me achando graça. - Tome cuidado, ela é muito frágil em Suas Mãos.
Furioso com tamanhas maluquices, falava algo entre perguntas sobre tudo isso que ocorrera e xingamentos por suas retóricas, talvez num recém-despertado ego de capitão, a qual este jovem amigo havia adormecido.
- Sabe, amigo, - disse calmamente enquanto subia no parapeito frontal - muitas vezes, estamos sentados há tanto tempo, que acabamos por esquecer o quão alto somos e podemos alcançar.
E antes que pudesse ouvir tudo que dissera saltou.
O Silêncio de seu salto ecoou lento, o tempo passara mais vagarosamente, seu corpo não mais descia, continuava a subir e subir, num inexplicavel vôo que desapareceu no breu daquele limpido céu de primavera.
A Garrafa enchia-se de vida. Minha vida. Furioso com tal loucura presenciada, arremessei-a na direção de seu vôo. Mesmo assim ainda pude ouvir claramente uma voz vinda dos céus.
- Ela ainda é sua.....Ainda é Sua!

Nenhum comentário:

Postar um comentário