terça-feira, 2 de agosto de 2011

Eternizar

O cão caminha e pousa à sombra.
Gira, Gira, Gira.
Pára.
Repousa.
Cansado de fucinhar os lixos.
Os cantos.
Cantos de esperança que findam.
A fome se torna um luxo.
O vento aumenta.
Seu corpo, que a cada segundo diminuta, torna-se seu manto.
Torna-se a sombra da sombra.
No silêncio do nada,surge algo.
Sussurando.
Batucando na atropelada cabecinha.
Eis a degenerada memória.
Atiçada pela voz de uma criança que nada disse.
de uma criança que não está.
Ele levanta-se e procura.
O vento sorri pela peça que prega-lhe, ressonando nos cantos.
Mesmos cantos fucinhados.
O Indigente continua escutando.
O vento se assusta e sai amiúde.
A voz toma forma, movimento e carinho.
Ah! Que carinhos!
Um uivo varou as vizinhanças.
Ofensas e luzes surgem, mas nada afeta o cãoteiro.
Logo lembra-se d'uma criança,
d'um local,
d'outros,
de comida.
Ah! Quanto luxo!
Quanta fome!
O vento espia da esquina.
Outro uivo.
Novas luzes e vozes ecoam.
O vento as traz e foge novamente.
O encolhido lembra-se.
De escolhido deixou de sê-lo.
Se lembra do que foi ou sentiu, percebe que já não é.
Se lembra que já lembrou antes.
Mas esqueceu.
Vai esquecer.
Desespera-se.
Uma luz cruza a esquina.
Agarra-se às memórias e avança.
Um impacto.
Um freio.
Fumaça.
Luzes e faces curiosas surgem semi-nudas.
Mudas.
Demoram à observar mas entendem o ocorrido.
A luz, quebrada, resmunga.
Recebe a preocupação das vozes.
Por fim,
As luzes apagam.
As vozes se calam e vão repousar
Não sem antes agradecer à luz pelo fim dos uivos.
A luz retira-se à resmungar.
O cão.
Ao canto.
Em seu último ser, busca saber o porquê de tudo isso.
Porque não sente.
Porque o resto já não está.
Porque...
...
O vento que veio e agora vai com a luz,
Sorri.
Ri.
Esquece.

Nenhum comentário:

Postar um comentário