domingo, 11 de novembro de 2012

A Anátema senil-certeira e a Clara jovialidade do ser

O velho está.
A menina chega.
Com algo em suas pequeninas mãos.
Algo foge às minúcias dos dedos.
Oculta ao seu peito.
O velho observa.
Aproxima-se.
Ela olha-o com olhos juvenis.
Enxerga-no com sonhos.
Vê-no com suas canduras.
E ele com a catarata de desilusões;
com a míope descrença;
e com a esperança astigmata.
Isso são iguais no encontro dos olhares.
sem a devida adjetivação do senil.
Embora lacrimejem,
seus olhos se atêm aos do outro por atemporal período.
Os dele se sentem pueris,
os dela, ele crê, se enrugam.
Ele não quer e pisca.
Ela se assusta.
Pende pra trás.
O pince-nez dele retoma os olhos dela.
Se encantam novamente.
Os dois.
Tudo reacontece.
tudo.
e de novo.
Por tal exercício,
o olhar dela se enruga.
O dele enfraquece o grau da lente.
Finda por inundar-se na catarata,
que até escorre dos olhos dela.
E como escorre.
O velho de lente podres,
pobres olhos tem.
Restos da vista de algum hipermétrope,
de outro deficiente visual que o mundo teve.
Passivou-se na acomodação visual do passado,
e perpetuou seu ato de cegar-se.
Jaz só.
Como sempre houve de estar.
Como sempre negou aceitar.
E além do breu que ocupa-lhe o agora ver.
Traz ao léu,
como àqueles juvenis olhos um véu,
de tristezas mil aos outrora pueris;
cheios agora de uma amargura vil,
como jamais quis ter.
como jamais se viu.
Mal teve tempo para olhar em sua mão,
que dentre os dedos aparecia,
embora ao peito ela espremia,
ainda se via a aparência com razão,
uma vez que não se pode esconder,
apenas se o observador não se deter,
que a jovem trazia à mão seu coração.
E um mero olhar,
esgueio que fosse,
traria à senilidade uma nova vida a viver.
Dos sonhos que os olhos dela só uma parte se fazia ver.
Do mundo que ele se esqueceu e,
se esqueceu disso também.
Das maiores belezas que há,
e que seus olhos apenas trará,
uma parte do sonhar,
que olhos de um cego nunca poderão ver,
se ao coração o olhar não se prender.
E a vida então virá,
como quem se vive sem querer.
E as belezas deste mundo se terá,
como quem nem quer saber.


domingo, 14 de outubro de 2012

Ego non in hoc familiae sum... sumne

Oh familia desgraçada
Há um enterro preparado atrás de cada olhar,
cada par de olhos que a tangem,
como atento, a qualquer movimento,
a qualquer novo indício do fim.
Há atrás de cada ouvido a espera da ligação fatal,
como no pensamento que resguarda e o pós planeja,
se planeja e fica em espera dos custos que virão.
Há por trás de cada toque a consciência limpa de que está fazendo tudo,
mas espera, já está na hora, temos de ir...
Assim como quando se veio,
o tempo fica a controle da minha vontade.
Não qualquer tempo, mas o tempo dedicado ao futuro moribundo.
Olhos que a tocam com olhar de lembranças,
como se têm por todos que se foram.
Conversas desperdiçadas no vão da família que já não é
e embora isso seja percebido, é negado porque negá-la é impensado.
"Só pode ser um vislumbre de insanidade pensar isso, não faz sentido!"
Mas estou satisfeito que estou fazendo tudo que posso,
o que me resta senão visitar duas horas, no mesmo horário, todo dia,
e arcar com os custos que lhe implicam a existência?
Curioso pensar que se se pode romper, descaradamente, vínculos familiares outros,
me sinto com menos pesar por futuramente romper os meus,
afinal, o que nos prende senão o passado, que não consegue ou conseguiu se perpetuar num presente,
e poucas esperanças há sobre o futuro, e um custeio,
que faz parte da dinâmica da vida superar-se?
Triste pelo elo de contato de tantas mesquindades,
que tantos olhos anseiam e até parecem desejá-lo
- não tardará em dizê-lo: " As vezes é melhor se ir do que passar por tudo isso!"
Do que QUEM passar por tudo isso? -
mas este, por tamanho sentido que seus congêneres lhes dão,
sentido em estarem ali, em ela estar e pior,
continuar estando...
Sem dúvida, o que mais mata não são doenças, mas más companhias,
pois estas alimentam aquelas...
Há aqueles que explodem em lástimas a cada novo espirro,
mesmo que o sistema respiratório esteja bem.
Há aqueles que predizem todo o devir, e numa inteligência símia,
sabe que isso tudo vai acontecer, quando, como, e onde....
aiai, pobres dos que ignoram tal verdade...
Se me criticam é porque não querem aceitar... pobres...
Há, de forma geral, os que tratam normalmente,
e isso há de ser o mínimo a se fazer,
na voz mental de um simples escritor,
e aqueles que se perdem por acreditarem o contrário,
e o problema é quando fazem outros acreditarem,
o problema é que penso que podem ter me feito já,
apenas penso...
Di me seruant familiae!

domingo, 2 de setembro de 2012

Inconstâncias.
A mutabilidade imanente é.
A única constante é sê-la.
Forçar-se-a em permanecer,
Mas basta uma estação para desflorescer.
O vazio só tornará ao peito daquele que o fez por ser.
Daquele que acreditou possuir tanto nisto que lho deixa.
Agregar-se-a, intrínseco ao querer, a dor de perder o outro.
O Sentir se faz definível em tamanhas outras línguas,
mas aqui algo próprio há,
tido por universal e inevitável até,
mesmo no plural pode ser só seu.
Saudades.

pelo o que se deixa
pelo o que será
antecipar

domingo, 26 de agosto de 2012

The agony of to be on the silence

Barulho!
Eu quero muito barulho.
O silêncio atormenta.
Tortura.
Disseca em vida o que vida já foi.
Gritar!
Tenho que gritar.
Mas a voz escapa à iniciativa.
Chutar.
Quebrar.
Arremessar longe.
Só pra tirar ruídos.
Nada faz som.
Percebo que a única maneira de extraí-lo,
é se tudo isso fizer a mim mesmo.
Dissecar-me antes que o silêncio o faça.
Não dar-lhe o prazer da agonia sobre mim.
Buscar um pouco do prazer ruidoso em agonizar-me.
No ato de pisar-se,
Massacrar-lhe e retirar então o bel prazer da dor alheia.
Mesmo que seja em si.
Uma vez que nenhuma outra se ouve.
Deixar-lhe a graça de destroçar-me, oh silêncio?
Não.
Se quebrou-lhe-me as pernas para fugir,
deixou-me-lhas.
Ainda as sinto ruidar.
Ainda as sinto,
por mais insonso que me tornes.
Há de restar-me não só a desesperança dos outros,
mas a vociferância do eu.
Tomou-lhe-me a audição d'outros,
Tiro-lhe me de ti.
Do prazer de ignorar meus lamentos e amarguras.
De fazê-los inaudíveis.
Desprezáveis em suas insignificâncias que me impostes.
Mato-lhe e a mim.
Um

Dos desvios e da material solidão

A volta, o retorno, tudo é vão.
Não parece.
Os anseios nos imputam a tentar sempre.
Em repetidas vezes.
Em repetidas maneiras.
Nada mais há de ser.
A casa, embora nunca tenha sido A casa, já não é.
As pessoas, ah as pessoas,
Aquelas que foram,
que estavam,
não mais estão,
pois não mais são.
Ainda podem existir.
Ainda podem estar perto.
Podem pertencer ao mesmo ciclo.
Mas já não são.
Tudo que já fora desencantou-se.
Desencantaram-se as formas e os seres.
Os grupos não deixaram de sê-lo,
apenas descaracterizaram-se de como eram.
Ou pior,
De como ensinaram que haveria de ser.
A teoria refuta.
A materialidade esvazia-a.
Tentar-se-a novamente.
Sei que se há de tentar.
Os cômodos os separam,
assim como as idéias,
planos, caminhos, gostos,
até o jeito de falar.
A comida, o ar e a roupa podem ser partilhados,
mas os espíritos nunca mais se tocaram.
Minha essência tornou-se minha.
E reside tanta tristeza em sê-la.
Minh'alma era de tantos,
e agora encolhe-se em mim.
Dos familiares restam acasos.
Nem por contatos rasteiros se anseia.
Não ouso levantar a vista e tocar aos olhos.
Pedaço de minh'alma estas longe.
Troco-lhe palavras constantemente,
mas estas longe.
A materialidade sempre vence.
A palavra brota desta.
Não se pode ignora-la.
Não se pode deixar as palavras,
discursivas em sua natureza social,
vencerem-nos e nos imputarem à distância.
Objetivo difícil,
uma vez que são fortes para nos separar e neste ato,
fazem por criar-nos em sonhos esparsos,
desiguais e diferentes,
e neles,
finalmente nos separar.
Se família ruiu, o que resta das outras partilhas
que moralidade alguma,
por mais enfraquecida qu'esta seja,
nos condiciona a nunca negar?
O vazio se aprofunda quando o fez a poucos.
E neste poucos muito se fez.
E deixam-nos à margem do próprio eu.
E somem indiferentes.
E levam tanto com eles.
Até as palavras que poderia usar pra terminar tal sensação.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Delimitador

Maldito sejas o definidor do número de linhas d'uma página,
pois também define meu espírito escrito que espreme-se,
numa letra para paleógrafos, para estender o máximo de meu ser nestas.
Azar deles quando meus anseios rompem as primeiras folhas e decidem terminar n'uma meia página.
Azar o meu quando transponho a primeira sagazmente e nos finais d'outras me vejo a pensar e articular-me à concluir em cima; naquela.
Detalhes se perdem,
Não, apenas me instigam à outro.
Como este.
Disforme.
Inconstante e ilógico como eu.
Mesmo na racional constância de mim mesmo.

Na volta do mercado que fechou mais cedo

Triste do que fica.
Deverá aprender lidar com o que foi.
Com o que, quem e como já foi.
A memória serve ao desprazer d'um lamentar,
que como é de sê-lo, retorna à cada novo perceber.
Percebe-se mesmo quando não se quer.
Quando se passa por onde algo já se foi e
por mais doce que sejam as lembranças deste,
pelo fato de só isso serem hoje, dói.
Por um perfume perdido no ar d'um pescoço qualquer
que tanto me faz lembrar d'uma noite qualquer
com alguém que assim não o é, nem nunca foi-me.
D'um sabor desapercebido que adentra meu palato
e dá-me o gosto doce d'uma recordação recordada n'um amargar
por apenas assim, dessa forma, tão distante me tocar.
Da insensibilidade d'uma vida em esquecimento,
ou então em descuido, proposital as vezes;
em abandono d'um doer pelo ser estar no pretérito,
até as incontroláveis e ternas tristezas que povoariam, e povoarão,
os encontros daquele que fica no mundo remanescente,
um tanto indiferente à este, doutro mundo que já foi, pois,
a cada levantar (despertar) se deparará com um teto que o intimida,
que o tortura, justamente por ter sido testemunha de tanto e que hoje o observa solo,
com o desprezo d'um ocre sem massa corrida.
Testemunhas do belo são sentidas com olhares de cobrança sobre aquele que fica,
projetados, refletidos do espírito deste que se intimida sobre seu alheio opressor.
Sobre quem vai, seja como for, deixa, além da dor, que se faz constante em cada beco ou garfo que usou,
a imprevisível chama da material lembrança que tanto fere àquele que não pode ir;
esquecer.

Taciturno

Diz-se tanto.
Mesmo sem muito dizer.
Mas fala-se.
Ouvir é outra história,
mas o falar.
É tanto falar.
Que há de esgarçar,
espremer todo o sulco d'alma humana.
Pouco nos resta senão a vastidão
do vazio.
Tenta-se preencher nos intervalos das socializações,
inevitáveis ou não.
Até perceber-se que só estará só no dormir.
E ainda há de enganar-se e recriar as pessoas e conversas no sonho.
Pouco resta À ser.
O discurso ganha materialidade em si.
Passa à existir por si próprio
e ao ser não resta tempo.
Nem para tentar.
Ah, falar alivia a alma, disse Sigmund,
mas o que há de ser d'um'alma toda aliviada?
Integralmente transmutada aos outros que,
diversas vezes, ignoram num ouvir ausente.
Não evito pensar que a era da informação
talvez fora atrasada, ou adiada,
propositalmente para dar existência ao homem,
que em si, só vai te-la com, e n', ela.
Mas no fim, apenas sei de meus receios.
E o maior deles é que pessoas viciam.

Tequila Mineira

O cão ladra meu nome.
Não, a bebida ainda está na garrafa.
Late de novo.
Enganei-me.
Ladrou o nome do vizinho.
Como pude equivocar-me assim?
A garrafa nem é minha e já repousa vazia.
O latido esvazia-se.
Como todo o ambiente e
até a própria arte de escrever.
Findo na escrita como quem ladra,
Logograficamente impossível.

Sobre a Saudades

Sem você o dia é estranho.
Não sei ao certo no que.
Em tudo.
Embora a saudade empolgue as coisas.
Ainda mais se há a ideia de revê-la.
Um plano já firmado de contatá-la.
D'estar contigo.
O lembrar te coloca em tudo que me cerca.
No que me toca.
Mas como é mero lembrar,
o toque do mundo me deixa insípido.
Vejo cores, é claro,
mas o gosto só é imensamente vivido com você.
É saboroso saber que,
embora separados, estamos construindo algo juntos.
Tu lá, eu cá, vivendo nossas coisas para então,
partilharmos unidos.
União que anseio desde o momento que,
no encontro, seu que este findará.
Despedir-me é longo e trabalhoso por isso.
A espera não é tão ruim porque me permite,
com devido cuidado, degustar cada detalhe de todos os momentos intensamente vividos ao seu lado.
Dois dias, ou partes deles, contigo,
dá-me o dobro de saboreio em ti.
Nas quintas se lamenta, mas hoje é quarta e a vi na segunda.
Às sextas resta o anseio de revê-la em breve.
A inquietude que preenche a alma d'um apaixonado,
não só pela jovem apaixonante,
mas por todos instantes com ela.
Apaixonado por memórias e carícias,
proferidas à esta que tanto se retoma na primeira.
Minha pequena de todas as nacionalidades e idiomas.
Carregada de diminutivos que jamais suplantam sua grandeza.
Que a vida me preenche e capacita de tons o mundo.
Dos sonhos mais belos não sonhados
tu me surges para dar-me outros mais.
Saiba que na saudades qu'esta distância nos impõe,
meus pensamentos carregam você em cada gesto e movimentos meus.
As tristezas só hão de surgir quando tomo a consciência disto e
de relance, me pego sendo você,
ou ainda mais, tendo-a nos detalhes do meu ser.
Então seu rosto toma forma e é impossível (não consigo)
não vê-la em mim,
no mundo,
em tudo.
Não deixas de estar presente,
de dar forma ao meu viver.
Não há como não procurá-la próxima,
seja ao sentir seu aroma em meus dedos,
ver seus olhos ao piscar, ou,
sentir seus abraços ao sentar-me brevemente, como agora.
Na personificação de tua ausência,
me vejo sendo nós, e a saudades torna-se a mera vontade de ser-me mais tu.
Tê-la tanto mais a ponto d'eu não mais ser e quem saiba um dia,
ao acordar, eu olhe o céu, e veja que não mais sou senão ti.
E a saudades termine e me deixe,
para nunca mais voltar.

Untitled

Não tenho mais gosto por ler.
Quem o tinha era ela.
Ao menos, me dizia
Não tenho mais gosto de nada.
O sabor que preenchia era o dela.
Ou então era o que cria.
Nada então me resta.
A última pétala já se foi,
A estrelinha se partiu,
e aquela nau empoeirou-se.
Restam-me os hábitos,
que tanto dela me chegaram,
e agora inócuos,
desprovidos do sentido que lhes fez.
Uma rotina instaurada naqueles sonhos,
daqueles olhos qu'um dia já me fez chorar.
E sempre fazem ao me recordar,
de todo amor que olhavam.
Invadia-me até o princípio do ser e me refez.
Dessa forma grotesca que me findo,
restam as cascas de la belle èpoque.
Onde fundou-se a estrutura do eu.
Desse eu, que já era sem o ser.
Não me resta nele o fugir,
pois o que sou senão muito dela.
De relance vejo seus olhos quando me olho ao espelho.
Minha vida, cotidiano e amigos, o que são senão os dela?
Mesmo os encantos que me surgem.
E os acasos que me guiam,
Carregam-na comigo.
Eu sou ela.
Meu sujeito, minha existência,
é um microcosmo seu.
Seus cabelos, seus escritos, presentes, bebidas e descartes.
Tudo preenche-se dela de tal forma
à dar-me um templo.
Resido nele e ela em mim.
Tolice resta àqueles que,
acreditam poder esquecer, apagar,
romper com pessoas, já que o afastar lhe gera a ilusão disso.
Mas não se depreende o que se tornou,
o que se faz e o que agora se é.
Se é o outro.
Se é a todos que lhe permite tocar a vida e o tempo,
que é a matéria da existência.
Somo-lhos.
E eu, com a máscara na mão após o baile terminar,
a recoloco na esperança de novas festas inspirar.

Fruto de seus destratos


Sinto.
Sentir no singular primário é perfeito.
Não por se perfazer, mas por fechar-se.
Fechar-me.
Sinto por lamentar.
Homo sum.
Minha compreensão.
Meu abstrair.
Potencias minhas limitadas.
Lamento isso também.
Mas lamento ainda mais lamentar.
Eu tento, juro que tento e complemento que bem sucedi-me momentos alguns.
Homini sum.
Manter-se é forçar-se.
Forçar-me
transgredir a lógica do mundo,
que não mantem-se.
Muda-se a todo instante.
Manecere non potento.
Pesa-me um exercício deveras rígido manter-me assim.
Não aguento.
Não suporto.
Dedico-lhe e foges-me então.
Torno-me um vício a mais.
Cobra-me um jogo.
Deixo de fluir.
Si sum non portas.
Igitur paro ad non sum.
Ainsi, Je mors.

Sinto.
Um cansaço enorme.
O tártaro quer enraizar-se.
Quero não jogar.
Quis bellae non pauperem hominis facit?
Não só quero paz em ser,
Mas quero que me seja.
Se importe deveras semelhante como lhe sou.
Soa moralmente incorreto dizer isto.
E o que me resta?
Canso de não ser?
Canso de jogar acima de tudo.
Canso das quem tu és.
Sou em seus sonhos e deveres éticos-familiares.
Nunca posso ser no seu mundo social.
A desconheço e infelizmente isso me importa.
Temo e sinto que temes também que a conheça.
Teme decepcionar-me?
Eu temo.
Já decepciona-me.
Seja por excluir-me do seu material-ser,
Seja por incluir-me nele a posteriori pela ideia seletiva e legitimamente legalizada emanada em seus mansos discursos.
Lhe odeio.
Sinto muito por sentir isso.
Mas lhe odeio intensamente por jogar-me e comigo assim tratar.
Odeio o descuido que me dá quando não precisa de mim.
O que me tens.
Sirvo à mimá-la.
Sinto servir apenas à preencher vazios de possibilidades.
Sinto desgastar-me nisso.
Sinto cansaço até de escrever sobre;.
Lamento de novo.
Por tudo que foi, é e sou.
Sinto por concluir assim,
mas senti demais ao fazê-lo.
Sinto importar-me e/ou import(un)ar-lhe tanto.

sábado, 21 de julho de 2012

The Last

Esperamos que se passe.
Mas não vai.
A tristeza se enraíza e toma a forma do sujeito.
Por que não me deixas?
Por que traz a angústia consigo?
Já fazem tantos meses que chegou e não parece ter data pra ir.
Simplesmente não vai.
Tenta-se o famoso esplendor da convivência e falha-se.
Ela oculta-se entre os sorrisos e basta eles acabarem pra retornar triunfante.
Relutante a ir e mais forte que antes.
O silêncio parece ser uma saída,
mas já os seus prenúncios parecem alimentar ainda mais a tristeza.
Como se desistisse e lhe desse total vitória.
Imagino a dor de largar este mundo social para aventurar-me numa possibilidade.
Como disse, singelos movimentos em direção disto já desespera-me.
Mas algo há de ser feito.
Nem sei o que resta-me a tentar.
Ou melhor, sei, mas não quero pensar.
Não ainda.
Embora uma parte de minha abstração esteja a pensar nela ultimamente,
com um estranho carinho, hei de dizer.
Mas isso ainda assusta-me.
Mas viver me traz a mesma sensação.
Não me reconheço, e essa há de ser uma das poucas partes que sei do eu,
por desistir de uma ideia rapidamente.
E desse modo, o caminhar, por mais doloroso que se torne,
ainda possui forças e fragmentos de sonhos em mim.
Uma parte desespera perante a chance de logo não ter.
E aquele pensamento ampliar-se em mim.
Dominar-me.
Em minha abstração, tão alargada, machucada, ganhas forças.
O método, é claro, não sei, mas já me peguei a pensar nele.
Medo.
Apodera-se de mim ainda este.
Mas o que resta-me?
Um pouco de esperança, eu diria.
De sentir, numa sincera doação, a importância do meu ser em vida.
A importância do que tanto tentei sê-lo e por isso, em parte, tornei-me.
A significância de uma existência que tanto duvida de si.
E que vê no fim uma chance maior de assim o sê-lo.
O mundo realmente não mudaria,
mas não possuo mais tal ambição e nem importa mais.
Mas talvez, e nisso reside uma esperança que ganha força, para a tristeza da outra,
torne-se maravilhosas lembranças, faça-me povoar pensamentos que,
ao menos aparentemente, deixaram-me à um bom tempo e não sei o que farei quando largarem-me totalmente.
Não suporto mais a espera.
O tempo me mata, e não quero que destrua-me nos outros também.
Tem-se que eternizar-se enquanto ainda resto.
Por mais destroçada lembrança que lhes seja, ainda resto como boas.
Tudo podia ser tão mais simples,
mas as pessoas não são.
E eu sou uma delas.
Eduquei-me em esperanças que não existem e não conseguem sê-las.
Deixaram-me uma a uma, e no fim, resta-me duas.
Uma a fortalecer-se e outra a minguar-se.
Quando esta for-se, a primeira, como vitória, vai-se também.
E a mim.
Mas repousará, como esperança, aqui.
E penso que o verdadeiro artista, por amar-lhe a sua cria,
compreende, que a existência dela, agora, independe dele.
E mais bela há de ser, se seu criador não mais sê-lo.
Pois poderá, mais facilmente, habitar o olhar de cada um que a aprecia.
E seu mestre, só um nome.
Viva bem, minha arte, inacabada eu sei, queria poder corrigi-la, consertar onde sei que muitas falhas ficaram, mas assim a vida é, e tu, em breve a possuirá.
Eis a última das esperanças.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Do segredo ao desprezo

‎"Oh severo caminhar, que faz da realidade uma invertida verdade. Trago à ti uma ilusão e pela margem lhe habito, lhe faço tenaz sinceridade no sigilo. O oculto possui mais de mim que a voz que esbraveja, e na certeza do que diz, nada têm de relevante, senão um levante de falácias que me trai. O sorriso, se sincero, lhe dou somente à ti, e das carícias, somente à nós há de luzir. Porque o restante não entenderia, porque o explícito já deixou há muito tempo de me habitar."

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Lamentações de uma caneta e uma dança perdida.

O que diferencia o artista do vagabundo.
Interrogação.
O ideário pós-feudal está encrustado nas veias dos homens.
Assim como as veias mercantilistas encrusta o ideário pós-moderno.
Industrialismo.
Metalismo.
Mecenas?
Exarcebados nobres que buscam status.

Braços antigos.
Olhos românticos atrás de velhas armações observam a criação.
Silêncio.
Umidecem-se.
Sorrisos resultam em suas faces.
Aclamações escapam pela boca felicitada,
No mais puro recatamento.
E mais destes aparecem.
Calam sorridentes.
O destinatário desvaneia esquecido.
O paraíso de minhas palavras-vivas distrai-se.
A lembrança de sua reação é esquecida em minha memoria.
Sorrisos imaturamente forçados.
Acostumado à elogios umidecem-se por conveniência.
Há brilho, porém se dissipa ao ser usado.
A vida volta ao normal.
Sem luz, sem graça.
Porém as palavras não param..
Percorrem outros braços e vistas.
Estes sorrisos sonhadores de outras épocas agraciam-se.
Mesmo silenciosos.
Inflo-me.
Vejo que prefiro fazer por estes.
Aqueles olhos que tratam-me como Homem.
Diferente.
Importante.
O sentir-se especial pelo de fora, quando o interno quer acreditar, é sublime.
Em fluxos lembro-me do destinário.
Intristece-me.
Rostos antigos.
Alegram-me.
O objetivatário acredita realmente ser meu mecenas.
Ser ele as palavras.
Sem o que o escritor possua signifcância.
Escrever é o dom do alfabetizado.
Inspirar há de vir de poucas musas.
Hiperbolizo para extinguir a mágoa geral que me consome.


Pseudo-Humildade que acaricia a pele com o estribo.
O que há de ser um artista senão um vagabundo.
Afirmação.
O ócio é um luxo que nem os ricos hão de ter.
Porém o criar exiger o saber.
Os que sabem, acreditam que isto só sirva para se obedecer.
Receber.
O criar por si próprio é apedrejado pela mão que tenta comprá-lo.
Ponto Final.

The Perfect Weather. The Time of two of us.


Num friozinho e chuva como esta,
Queria eu, humildemente estar,
Em nenhum outro lugar,
Com nenhum outro alguém,
Senão deitadinho, abraçado contigo.
Te ouvindo dizer.
Te sentindo em mim.
Te queirando tocar para o mundo nunca mais existir,
E só restarmos eu e ti,
Deitados ali,
Com carinhos ao ar.
E o silêncio que pousasse,
Trazia consigo a paz de tua ternura,
Como o vento traz a chuva,
Que repousa em ruídos.
Desses tão quietos,
tão sentidos.
Como o vazio que pode brotar por entre as vozes,
e nem assim lhe impede o ouvido,
de perceber todo o encanto de um momento a dois.
E o olhares que se tocassem,
teriam todo aroma que a brisa traz.
A umidade da vida se aquece nos teus braços,
que repousando sobre mim,
acariciam,
são acariciados.
Como o todo o jogo de membros que o corpo conduz,
debruçados sob a égide de um cobertor,
que só faz por sentir-me mais perto a ti.
Até o momento em que nada se defina,
não entenda mais onde sou e onde és,
se minha voz provoca a ausência do som
e o calar tamanha ruidosidade.
Se sou a chuva,
Se sou o vento,
Se sou o tempo lá fora ou aqui dentro.
Se tudo é real e se vai durar,
No fim, nada disso importa,
Só me atém o único anseio de,
num dia como esse,
sob uma chuva e tal vento,
queria estar consigo,
em abraços,
deitado,
te olhando.

Sendo-lhe em carícias.
Seu.
Todo seu.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Um zíper, uma aceitação, um triste real


Levanto-me e pego a case.
Embalo o violoncelo com a obstinação de quem vai.
De quem sabe tudo finalmente.
O zíper sobe e desce pra se cruzar e cela-lo.
Esse movimento é realizado com a maestria de quem sabe.
De quem sabe o que deve fazer.
Embala-se com a lucidez de uma predestinação sua.
O ênfase é tamanho que deveras prazer se sente em fazê-lo.
Não deseja-se que o zíper se finde nunca.
O espírito audaz finalmente encontrou-se em si.
Num movimento ordenatório cabe tanto sentimento de si.
"A vida é grandemente não questionada como se é dada e a morte intensamente aguardada como inevitável. Pena que a vida não é."
Saudades de tudo aquilo que podia ter sido,
mas não foi para dar uma pseudo margem de futuro,
uma pseudo segurança da vida que gosto algum haveria de trazer.
Livrar-se do passado e do seguro não dói tanto quando se imagina doer,
não de uma vez, mas o sofrimento perdurará longos tempos.
A felicidade também.
Qual o tamanho do velho que não impede o novo?
Tais certezas entristecem tudo.
A única que pode haver é a do cello celado.
Agraciadamente guardado numa epifania de seu maestro.
Nada há o que dizer senão aquele sentimento.
Da certeza de ir, mesmo sem na real saber para onde,
embora aquele espírito saiba e entenda o modo como chegar.
Tenho que segui-lo.
Não há tempo pra ficar.
O zíper fechou.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Méishíme shí, wo shí - Nihil est, solus sum

Reside no oriente.
Pouca dúvida resta.
Tenta-se,
Torce-se,
Retrai-se,
Foge-se.
Mas cai justamente d'onde saíra.
Educa-se o homem à algo e a isto sempre será.
Será?
Não sei.
Não faz parte do jogo saber.
Afirmar-se talvez.
Sobre o que viveu-se ou vive-se.
Como hei de negar a mais forte, doce e velha lembrança d'um eu.
Algo que permeia as mais vastas esferas do eu d'hoje.
Sementes ocultas flagelam o amanhã.
Repousa no manto do velho as lágrimas d'uma vida feita.
Reside no coração dele os anseios do que fora,
mas principalmente do que não o fez.
De quem perdeu e da impossibilidade d'algo.
Pobre homem do oeste.
Criou-se para o oriente e no fim
Nunca foi daqui.
Nunca foi de lá.
Lamenta como um desgarrido de si mesmo.
Um anacrônico em si próprio.
Desenraizou-se para buscar raízes que o confortassem.
Nunca existiram, senão na mente que assim achava.
Foi-se feliz em si.
Só em si.
Bastava uma brisa do mundo tocar-lhe para perder-se.
Despertenceu de tudo que há para justamente sentir-se integrado.
O quanto fizeste?
O quanto valeste?
Só recordam-se os mantos, os vales e as flores.
Enfim descansa o velho monge.
Nunca o foi.
Nunca ansiou verdadeiramente sê-lo.
Mas o fora mais do que muitos que o são.
A liturgia lhe fugia aos dedos e às palavras.
Mas seu espírito, em seu ínfimo, nunca deixou de sê-lo.
O fora exatamente para não lhe obrigarem a ser.
Só queria a paz d'uma vida onde pudesse ser por si.
Mesmo não acreditando mais no eu de forma pura,
Sentia existir como uma intersecção dos mundos.
Já se cansara o velho espírito deste e daqueles.
O silêncio de si era o mais doce som que sua vida podia soprar.
A brisa que acalenta as manhãs e o sol que traz a nova chance.
Aquele que deixa para ter.
Tristes são as situações da vida humana que faz da exclusão o melhor meio para integrar-se.
Mas no fim,
Retorna ao que lhe parecia seguro.
Um passado onde o todo não lhe feria.
Ele era o todo.
E lembra-se que acreditava ainda que seu coração pertencia ao oriente.
O mais distante de tudo aquilo que vivia.
O mais distante de tudo aquilo que podia conhecer.
Um retorno, uma fuga, diretamente pra si mesmo.
Para um lugar de onde nunca fora,
De um lugar para onde acreditava ser.
Nunca foi.
Apenas era.
没什么是,
我是

sábado, 7 de julho de 2012

Ianuus enim apertus erat

Sabado a tarde.
Ele adentra às espessas portas e encontra-se perdido perante a vastidão que o inunda; choca.
Caminha no vão central que se abre à sua frente.
A multidão o olha com olhos de repulsa; de rejeição.
Sorte estar acostumado a isso e até achar carinho nesse modo de ser olhado, afinal o tempo o fez perceber que mesmo na repulsa havia o carinho de um olhar.
Continuava adentrando sorrateiramente, em passos mansos e vagarosos.
Olhares curiosos o permeavam e sorrisos, quando não pequenos risos, juvenis o engrandeciam e quase o enchiam do tamanho deste lugar, restando-lhe frestas entre toda sua pompa e as colunas que o cercam.
A curiosidade e o espanto debatiam-se em seu ser, que não mais controlava seus pequenos olhos, famintos pelo mundo que se abria para ele e, aqueles que tanto o notavam restava-lhes um repouso esquecido em seu relance.
Talvez as crianças menos.
Gostava do jeito que os pequenos olhos - assim como os seus - o enxergavam.
Mesmo notando que já era visto por todos e abominado por muitos.
Mas sabia, ou ao menos sentia, que todos esses eram deveras pequenos perante aquele local, aquele teto, aquelas crianças.
Não tinha mais como não notá-las.
Ou mesmo adorá-las.
Tornaram-se seus escudeiros neste lugar onde os olhares maiores o dizia profanar.
Continuava andando e avançando. Contornando aquelas pernas, olhos e sorrisos. Por maiores que fossem suas curvas e contornos não conseguia escapar aos olhares.
Chegava ao meio e não podia mais ignorar a atenção que despertara.
Surgia-lhe uma insegurança de estar ali.
Sabia que os bochichos despontavam aos lados e atrás dele, mas prosseguia.
Entendia que voltar seria inútil uma vez que de lá seria banido mesmo, e daí só lhe restaria voltar, por mais forçado que fosse para tal.
Sendo assim, que ele adentrasse ao mais fundo possível para que na fuga tivesse mais tempo de rever todos aqueles detalhes.
"Como os homens podem fazer coisas que até um cão fica tão chocado?
Como poderiam olhos grandes criarem tamanhas coisas que só fariam por fazê-los sentirem-se tão pequenos, mas que mesmo assim, olham-me tão severamente engrandecidos?
E os pequenos?
Estes que surgem-me tão inocentemente aumentados aqui ao ponto de preencherem toda a vastidão deste local; tomam a atenção dos vitrais, das colunas, pilastras, estátuas e das belíssimas pinturas que adornam partes que, mesmo olhos acostumados, não o percebem; olhares pequenos que, como o meu, se conectam a imensidão do desconhecido e do inacreditável, justamente por não terem sido adestrados na arte "consciente" de ver; olhos pequeninos que preenchem até mesmo a vida esvaziada dos grandes olhares."
Chega por fim a frente da catedral e percebe-se de fronte as principais formas do ambiente.
Percebe isso pela condição física e decorativa de todo o resto.
Conduz seus olhinhos para o grande foco deste lugar e se depara com um homem.
Frustrado, espera ser tocado para fora mais isso não acontece. Todos olham-no agora. Até o regente. Ele se tornou o centro dos olhares. Embora decepcionado, com uma pequena satisfação por este feito, vira o rabo e volta-se triunfante para a porta. Um retorno rápido, ao menos para sua percepção assim o fora, agora tão desapontado com o próprio ato de olhar. Não ve o tempo passar e já encontra-se do lado de fora. Todos deram-lhe passagem e mesmo sem ter olhado para dentro, sabia que olhares ainda o seguiam. E que outros ainda o ficaram olhando-o sumir de vista, e até mais. Uns o invejavam, outros o esperavam voltar, pois os que o repudiavam já deixaram de olhar a muito tempo e atinham-se agora a resmungões.
Mas tinham ainda uns poucos que ficaram intrigados e tamanha foram as indagações que também sairam, e juntando-se à outros cães, tornaram seus próprios olhos também pequenos.

Nihil ut est, Ego ita uolo non esse.


O dia perde a suspense e o mistério da madrugada.
A criança perdeu-se ao querer desbrava-la e já não são.
O pernoitar virou uma prática e a pueril tornou-se recordação.
Grande parte do valor estava justamente em não poder.
Em aspirar um dia conseguir e quando o faz, a assassina no segundo copo de champagne.
Não, não posso ficar.
Deixe-me ir.
Aqui mais me fere do que acalenta.
Está marcada de lembranças que me ferem por passado serem.
Ah, como a amei.
Como fiz de minha vida uma sacerdotisa sua.
Deu-me tanto.
Fez-me assim.
E agora tornam-mo-nos tão hostis.
Não, realmente não posso aturar sua existência.
Deixe-me dormir,
Pois o tempo me machuca menos lá.
Pode ser que o sonhar me insurdeça lembrando-ti
E ainda me fazer acordar, como agora, em seu maior glamour.
Pode ser, pode ser.
Mas o pouco que me resta vale a chance de arriscar-lhe.
Quem sabe o descuido lhe acometa e me desperte quando tu não mais fores.
Quem sabe uma sorte me toque e o despertar se dê quando eu assim não o for.
Quem sabe,
eu,
não desperte,
E você,
fique pra sempre perdida,
ou então,
apenas isso lhe peço,
que seu se perder,
não seja-me um eterno sonhar,
e me amaldiçoe no sono sem fim de ti.
Este seu quase-tocar arranca-me a alma e o seu fim não há de tão sofrível ser se,
ao menos nele,
dar-me o silêncio do tempo e tirar-me,
d'uma vez por todas,
o som teu que tanto ecoa em mim.
Que tanto faz ferir esse madrugar inusitado.
Que não mais carrega o enigma infantil,
nem a doçura do teu olhar.
Joga-me nu perante eu mesmo e triste é ver as rugas em tal jovialidade.
Rugas do tempo.
Rugas do vento.
Rugas da vida que tanto lamento.
Triste é ter as mãos fadadas ao tocar-lhe as lembranças
e fazer, a contragosto, um presente que não passa.
Nem vive,
Nem morre,
Apenas é numa insonia constante.
Que até já existe fora do ser.
Independe-o.
Mas sua prodigalidade volta para ter com o pai.
Retorna para, num deboche, mostrar-se tal como sempre o impediu de se-lo.
Surge apenas para dizer que a madrugada não mais tem sabor.
E que lhe fada a sentir-lhe o gosto - ou desgosto - dela,
da impossibilidade,
e do pior de todos os sabores insonsens,
o gosto de si.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Reflexos da vida de outrem

Saudades que nos fere. Nos faz lembrar do que foi e do que podia ter sido. Dos sonhos que certo tempo se teve. Da vida que certa hora viveu-se. Compreende-se, após muito se pensar, se conformar eu diria, compreende-se. As coisas já não são e nem tu és. Nem sou. Insisto em não acreditar isso por temer. Teme-se mudar, ou então, aceitar que já aconteceu.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Capítulo 29 - Jaz a última pétala

Tudo aconteceu naquele dia. O melhor e o pior de minha vida. Encontrei-me com ela após seus pais irem para a loja. Ela desceu e disse a dama que iria passear no parque, e que fugindo ao costume, resolvera ir só. Dizia-se indisposta a conversas, o que era do feitio daquela que sempre está em sua presença e que hoje fora dispensada. A dama entendeu que podia estar relacionado com a discussão que a jovem tivera com seus pais na noite anterior e que deveria ser dado o silêncio que a menina lhe pedia. Además, não haveria de ocorrer qualquer problema, pois o parque era perto e a garota sabia muito bem se cuidar, embora a família, fosse por hábito desta ou por zelar pela manutenção de um renome de prestígio, um tanto quanto obrigassem que a companheira para menina existisse e permanecesse sempre próxima. Mas hoje não, absolutamente hoje não. A jovem precisaria ficar só.
Saiu de casa, desceu os degraus da soleira e virou à direita em direção ao parque. Acompanhei tudo há certa distância, de olho nela e nos demais que pudessem desconfiar de algo. Duvido que alguém percebeu algo, era muito ligeiro quando precisava sê-lo. Assim como os dias que invadia a estação, que já contei ao meu novo amigo, por mais senhorio que seja. Preciso apresentá-lo a ela, pensei enquanto permanecia a percorrer seus passos.
Ela desviou do trajeto na terceira quadra, com receio de ser vista pelos pais ou por algum comerciante que a conhecesse. Seguiu em direção à saída da cidade. Fui em seu percalço e a perdi de vista. Fora numa esquina e pronto. Sumiu. Ela não se virou em nenhum momento, não sabia que estava sendo seguida. Não pode ter sido tão rápida a ponto de caminhar ou correr a metragem que ininterrupta existe até a outra esquina. Não pode. Será que me enganei, me indagava. Foi em meus devaneio e indignações que fui pego de supetão:
- AHAM! - gritou minha donzela pulando-se sobre minhas costas. Estava escondida na cerca viva de uma casa. Não controlei o pulo para frente, caindo ao chão pelo susto que me fora dado. Ela ria. Daquele jeito inesquecível e belo. Ela ria. Sua covinha se acentuava e seus dentes escondiam-se atrás daquela linda mão coberta por sua luvinha de seda branca com aqueles babados caprichosos.
- Vamos levante-se! Vai dispensar minha companhia e ficar aí o dia inteiro? - perguntou-me com um jeito debochado. Ela não parava de rir de mim. - Venha, eu te ajudo. - Puxou-me e ajudou a limpar minha calça de brim dando tapinhas na minha perna. Enquanto o fazia ela me olhava de relança e aqueles olhos brilhavam e seus lábios insistiam em pequenos risos, de carinho, de ternura.
- Pensei que tinha sumido!, disse mais seriamente.
- Pessoas não somem assim...do nada!, disse franzindo a testa como quem ouve um absurdo enquanto reclinava-se novamente.
- Pensei que íamos ao parque, ingaguei.
- Você pensa demais, disse ela enquanto agarrou minha mão e puxou-se para a estrada para fora da cidade.
Caminhamos o dia inteiro, com devidas pausas para saborearmos as frutas que encontramos em nosso caminho, como as amoras que jaziam vermelhas e roxas naqueles galhos finíssimos de tantos pés que se espalhavam por toda a volta da cidade.
Ela me contava suas histórias e era tão doce observá-la. Nunca me olhava. Contava e as vezes cantava, uma cantiga ou outra, olhando para o chão, para ao longe, para o céu. Só no silêncio que a interrompia que se dispunha a encarar-me e aqueles olhos adentravam o meu ser me paralisando. Tirando-me toda a vida para dar-me outra, que dependia daquele olhar. Os olhos só se cerravam para que então outra sensação me dominasse e toque daqueles lábios faziam estremecer-me a espinha e toda a extensão restante do meu corpo. Do nosso corpo. Sentia o dela vibrando da mesma forma. Seu toque. Seu carinho. Sua pele tão macia e suave, que era impossível ater-me a ela, sempre deslizando e saboreando assim, toda a maciez e o encanto que havia naquela menina.
O tempo passou e o sol a nos admirar circundou o céu, e quando estava para se despedir resolvi mostrar-lhe aquele que há tanto lhe falava. Meu novo amigo. Ela aceitou ir comigo para lá, afinal alguém que me tirava tanta admiração e dava-me histórias tão fantásticas e belas haveria de despertar o interesse naquela que possuía meu coração. Disse que não poderia se demorar, afinal, a loja já estaria para se fechar e seus pais logo voltariam para casa. E sempre que ela não estava presente, arrumava problemas sérios, sem mencionar a face brava e as vezes decepcionada que seus pais a encaravam, deixando-a triste por trazer tamanha desventura ao sonho e a imagem que a sua família tanto queria zelar. Afinal, não era saudável à reputação de uma boa moça aventurar-se da maneira como ela adorava fazer e muito menos transgredir os horários dos respeitosos como advertidamente acontecia.
No percurso até a estação, ela fora continuando suas falas. Sempre tranquilas sobre coisas belas. Sobre a casa no campo que sua tia tinha, e que nos divertimos tanto quando menores. Sobre a lagoa que nos conhecemos e como o tempo passara. As vezes essas lembranças lhe tiravam longos silêncios e eu os entendia e partilhava a dor. Aceitar e impossibilidade de continuarmos daquela forma era-nos lamuriosa.
- Não quero,...Não quero que seja assim....Eu queria estar com você...Eu queria..., lamentava ela em ruídos fracos, sussurados. Muito para não trazer dor a mim que também sentia essas palavras em minh'alma. Eu a abraçava e beijava suas lágrimas. Não queria que ela sentisse isso. Já me era muito custoso aceitar isso e não conseguia. Fazia de todo o dia uma batalha para conquistar o respeito devido para ser seu pretendente. É claro que sabia que por não ter família me era muito difícil ser digno de pretendê-la, mas há anos fazia minhas economias para alguma coisa poder conseguir com isso. Fosse o prestígio que for, a terra, a casa, qualquer coisa seria melhor que ser um bastardo, rejeitado.
Ela não ligava. Nunca se importou. Amou-me desde a primeira lágrima e sei que amaria-me até a última, que por fim depositarei nesta obra, mas a família precisava-se manter tudo que a estruturava, todo o respeito conquistado e mantido para toda a sociedade local. Galguei o meu de forma sacrificada. Mas não se comparava ao deles. Saímos escondidos. A dama sabia, permitia. Me adorava. Eramos parecidos, vivemos no mesmo bairro e sempre teve um carinho por mim, desde pequena. Mas os pais de minha querida não. Nunca toleraram-nos. Na noite anterior ela disse algo a eles que eu não sabia ainda naquela hora, e que em breve eu iria saber, mas isso foi o suficiente para levar seu pai à loucura. Quebrou móveis e louças antigos, caros, raros. Sua mãe se prostrava a chorar na cadeira e ele insistia em gritar e gritar com minha menina. Ela demorou a contar-me isso. Era dolorido contar. A pausa fazia parte de sua fala assim como as lágrimas. Por fim disse-me o motivo.
- Quero viver com você. Seja como for, aonde for....não importa. Se não podemos nos casar para não ferir o prestígio dessa família, então não quero pertencer a ela. Largo tudo, largo. Quero viver com você onde quer que seja, mas que seja com você! - Disse-me ela numa rapidez desesperada, sufocada em lágrimas e abraços. Um aperto tomou-me o corpo e o coração. Era ela. Era o que eu estaria a fazer a ela. Arruiná-la. Minhas economias não seria o suficiente para dar-lhe a vida que estava acostumada e eu não saberia como fazê-lo. Seu pai lhe disse, depois de tanto urrar, que se ousasse me ver outra vez, iria deserdá-la. E ela ali, ao meu lado. Apareceu-me sorridente hoje, como se nada tivesse acontecido. Como eu a amo. Não tinha como não amá-la.
Disse-lhe que me preocupava com ela, ainda mais agora depois de saber disso. Ela lamentou ter me contado e que seria melhor não ter dito. Para eu não temê-la. Ela sabia o que fazia. Queria fugir comigo.
Silêncio novamente.

Chegamos depois de um breve caminhar à estação. O clima entre nós era opaco e a quietude nos afastava. Nossos medos, nossos desejos. Procuramos por tudo e não achamos meu amigo. A busca nos aproximou e logo estávamos de volta aos sorrisos e carinhos. Me desculpei e ela disse entender meu pensar, mas que eu não devia. Ela já tinha feito a escolha. Não ia mais voltar. Receei.
Ela ficou em silêncio e foi andando pela plataforma. Eu fiquei parado, observando o trem que se aproximava no lado contrário ao que ela estava.
Minha menina me encarava com aqueles olhos castanhos. Olhos profundamente opacos, como um céu imensamente estrelado habitando seu interior. Havia tanta dor naquele olhar que o único vislumbre de alívio era justamente para onde ele olhava. Para mim. Ela conduzia suas pernas, seus passos de forma impensada. Aleatória. Eu permanecia parado em minha impaciência. O trem se aproximava e eu procurei com os olhos aquele meu amigo, que por ofício deveria estar guardando os trilhos. Não estava. Não o via desde a noite em que lhe trouxe o jornal. Ele chorou e disse para eu ir.
- Será que ele me deixou, me perguntava. Ingênuo de minha parte colocar eu e ele num relacionamento dessa maneira. Incrível que essa ingenuidade tenha se mostrado tão realmente bela, embora de extrema sofreguidão. Lembro que repensei na hora: Como ele poderia deixar a estação assim, ainda mais ele que sempre estava reclamando dos jovens que vinham a noite. Me distraí em tais pensamentos.
O trem desacelerava ao se aproximar. Meus olhos passaram vagarosamente para o outro lado. Para a direita de mim buscando minha LaBelle, que fazia tanto jus ao nome francês. O vulto tomou forma primeiro antes de vê-la completamente, e assim, à vi desequilibrar-se naqueles saltinhos, que o direito, ao movimentar-se de costas, acabou por encravar-se num buraco no chão irregular e ela perdeu o equilíbrio.
Antes de compreender tudo aquilo, uma energia apoderou-se de mim e tentei mover-me em sua direção, mas ela caminhara muito nesses devaneios. Ela já começara a cair. A cair. A cair...
Seus olhos me olhava atônitos. Lamentavam a possibilidade daquilo acontecer. De ficarmos longes. Separados. Gritavam pra mim. Me ordenavam pegá-la nos braços e beijar-lhe para todo o sempre. Nunca mais soltá-la ou permitir que se afastasse.
Comecei a mexer-me. A principiar uma corrida. Mas era tudo lento de mais. Ela já estava em queda por sobre a linha do trem. Trem que se aproximava à minha esquerda. Freando. Chegando cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais.
Ao longe, lá embaixo, comecei a ver enquanto corria uma luz fraca de um lampião a se dirigir ao local que minha querida caiu. Lembrei do Capitão.
- Seria ele, me perguntava. Ele realmente não ia abandonar isso assim. Uma parte de meu pensar queria assumir que ele não abandonaria a mim assim. Algo me tranquilizou ao ver aquela luz perto de minha menina, mas não desacelerou meus passos. Nem ao trem. Que já me alcançara e se dirigia à ela. À luz.
Corri o máximo que pude. A máquina era mais veloz. Tentava alcançá-la no grito, como tentara afastá-la, frená-la anteriormente. Gritava e lágrimas me queimavam o rosto e não deixava de lembrar aqueles olhos que conclamavam o meu berrar. Nunca mais esqueci. A maquina chegava.
Chegou.
Cai ao solo a gritar o máximo que me era permitido, pois ao último momento que pude ver, a luz do lampião permanecia ali embaixo, no meio, na frente. Pude vê-la caída quando o trem se aproximou e iluminou-a, com muito medo nos olhos. Com uma tristeza por estar só. Como queria estar com ela. Como queria que fosse eu o caído lá. AHHHHHHHH. Não podia deixar de gritar e não ter forças para mais nada a não ser esmurrar o chão da plataforma e em seguida a máquina.
O meu amor. Que num último relance pude ouvi-la em mim à dizer: Te amo.

Do trem desceram alguns homens e outros diziam para movê-lo para frente, para tirá-lo do local. A dor colocou-me em choque. Em silêncio. No chão à chorar e não ouvir. Não ver. Tive a impressão de ouvir o que diziam, mas não dei atenção. Alguns procuravam, xingavam e queriam saber onde estava o guarda trens.
O trem saiu.
Ali, onde caiu LaBelle, estava agora sua corrente de prata, que tanto adorava. Pude ver que ao lado, caída e um tanto trincada, jazia uma velha garrafa arrolhada. Não me lembro o que senti. Não me lembro o que pensei. Muito desse dia pertence à uma parte de mim que não quero reviver. Só consigo descrever até onde fui, minhas emoções e idéias. É doloroso demais ir adiante. Mas posso dizer que era só isso que estava ali. Sem marcas, sem sangue.
Ela desapareceu.
Desci aos trilhos e peguei sua corrente. Meu choro atrapalhava minha vista e enquanto o segurava firmemente junto ao peito, aproximei-me da garrafa caída.
Lamento não saber descrever o que senti, apenas lembro-me de uma paz e serenidade se apoderando do meu desespero latente. Ninguém mais existia para mim. Apenas eu e esses objetos. Peguei a garrafa e ela quebrou-se em minha mão, ficando apenas duas pétalas. Duas lindas pétalas.
Minhas lágrimas caíram sobre elas e não pude evitar o choro que novamente me assolava. Juntei as mãos e apertei ao peito em lembrança da minha querida adorada. Não concebia a idéia dela ter desaparecido. Nunca tinha visto um acidente assim. Para mim, ela estava por ali, na frente da máquina talvez. É desolador pensar. Era muito também.
Após um tempo percebo o que tinha em minhas mãos novamente. Meus olhos caçavam aquele colar como que querendo achar o corpo que o habitava, ali, nos meus braços, me olhando, me amando. O colar agora reluzia em outro tom. Um brilho majestoso como se nunca viu igual. Demorei ao olhar a outra palma que já estava aberta à tempos e que não possuía mais nenhuma pétala.
Percebi que uma, sem dúvida passara a integrar aquela corrente que fora de prata, e outra, jaz até hoje impressa em minha mão.
Está estampada na minha pele como se pertencesse à ela. Não sai. Até porque não tem porquê sair. É a minha pele agora. As linhas digitais continuam nela e possuo sensibilidade normal neste local. Mas claramente é uma pétala.
Uma linda pétala que em todo luar completo reluz, e aquece meu coração desde então. Posso ver até os pontos onde minhas lágrimas caíram nela antes de unir-se à mim. É tão bela.
A guarda começou a chegar naquele local e resolvi correr. Não sei dizer o que norteava minhas atitudes, apenas o que fiz. Corri e corri. Fugi de lá como se quisesse fugir do ocorrido. Fugia com a corrente em mãos, sempre atada ao peito. Fugi para nunca mais voltar.

Demorou muito tempo para eu saber melhor o que houve. Assim, soube que ela nunca foi encontrada. Nada. Nem qualquer coisa que desse alguma pista sobre minha menina. Ouvi relatos que o que aconteceu aquela noite foi apenas um jovem gritando na estação e o trem parou assustado para saber o que era. Soube que o maquinista teve a impressão de ter visto alguém cair na linha, mas logo em seguida dois homens chegaram e tiraram essa pessoa de lá. Só pode dizer que um tinha cabelos claros e outro um lampião. Fizeram várias buscar na estação e não encontraram nem passos e qualquer coisa que comprovasse essa história. Só haviam pegadas do garoto que não demoraram a saber que era eu.
LaBelle nunca voltou pra casa e seus pais pensaram que fugimos. Enlouqueceram. Lamentaram. Não quis saber mais sobre eles. Nem que fim levou a dama de minha menina.
Estranho pensar a calma que consigo narrar esses pontos. Talvez o tempo nos faça calmos, ainda mais quando estamos acostumados à rememorar certas lembranças como essas. Acostumados talvez.
Durante muito tempo lamentei, e não sabia nem o que pensar, a não ser naquele fatídico dia. Porém, com calma pensei em tudo que vivi com ela e com o Capitão. Suas histórias e como tudo aquilo se encaixava nas pétalas, na garrafa, no sumiço.
Não sei dizer ao certo sobre tudo isso. Mas entendo que o "francês" haveria de ter salvo seus sonhos naquela garrafa, para reencontrá-los na igualdade que foi tratado por meu amigo, e assim poder sentir a tranquilidade de liberá-los ao mundo. Aí, o guarda trilhos que aprisionou seus sentimentos, mesmo que sem querê-los, somente se sentindo a vontade com a minha amizade, ainda mais depois de ter aquele jornal em mãos. Podendo assim, livrar-se do peso de prender suas emoções, seu perdão.
E assim, restava-me essa jóia, que resolvi aprisionar num frasco qualquer. Mas desde então não posso ver seu conteúdo. Nem mais quebrá-lo. O máximo que consegui foi forçar um pequeno buraco na rolha que o sé-la.
Talvez, essa garrafa não pertença mais a mim. Creio até que nunca tenha pertencido, mesmo que eu a tenha selado. Afinal, reside ali o colar dela com a última pétala, e que ambas nunca foram minhas. Apenas me coube cuidar delas.
Após tanto repensar, acabei por amarrar o frasco numa pedra e arremessá-lo ao mar aberto. A pedra à de guiá-la ao fundo e o buraco na rolha, de favorecer que permaneça lá até que então o verdadeiro possuidor possa ver seu conteúdo. Possa quebrá-la. Não é questão de cuidar dela. Nunca foi. Assim como a menina que não queria ser cuidada, apenas queria estar junto, as pétalas ainda hão de unir-nos. Eu sempre estarei naquele recipiente no fundo mar. A aguardar. Embora o tenha fechado, nunca fui eu o verdadeiro possuidor daquilo que guardei.
Assim, só resta esperar que este retorne.
E quem sabe então, romper o pote. Eu me ver livre de tudo isso. Que àquele à quem o frasco pertente venha para desaprisionar o meu coração, que jaz no fundo do mar, numa garrafa fechada, porém, que possui uma abertura para difundir, mesmo que lentamente, ao mundo o amor. O meu amor. Amor que fora sagrado à eterna dona do meu coração, LaBelle.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Lembranças de Verão

Reencontrar.
Uma das maiores delícias da vida.
Seja como for, mas que seja.
As vezes pode ser algo que nem se lembrava mais, porém numa conversa aquilo ressurge.
Renasce.
Nasce com uma beleza a mais, pois já surge com uma significação que à primeira vista talvez não tivesse.
As vezes o reencontro surge num perfume,
numa música,
num local.
Coisas assim que eternizaram pessoas.
Momentos.
Sensações.
Nesses casos, surge um reencontro consigo mesmo.
Um eu que alterou-se tanto a ponto de esquecer aquilo.
Distrair-se deveras.
E há quando algumas das piores situações tornam-se lembranças boas.
Engraçadas.
E como as piores pessoas são lembradas apenas para que novamente as esqueça.
E é bom lembrar-se que elas apenas lhe pertence à memória.
Um homem acorda.
Sem vontade de acordar banha-se.
Se arruma e na hora de sair de casa o vento lhe trai.
Lhe traz.
Um cheiro de chuva.
Um cheiro de flor.
Lembra-se da sua avó viúva.
Lembra-se com muito amor.

A vida ressurge em lágrimas
Que esses olhos tinham.
Já que esqueceu as cócegas.
Que aqueles dedos lhe faziam.

O tempo lhe foge à mão.
O vento o leva embora.
Só sabe que lamenta em vão,
o passado que agora chora.

Esse lembrar lhe fera a alma,
Coisa que esqueceu que tinha.
A vó lhe trazia calma,
sua lembrança lhe mais ainda.

Agora o homem chora,
da garagem à cozinha.
Mal sabe que ali mora,
outra velha lembrancinha.

Sorrindo lhe mostra a face,
uma foto bem velhinha.
Vem de tempos gloriosos,
"essa bela lembrancinha".
Sozinha no porta retrato,
prostrava uma senhorinha.
em diminutivos carinhosos,
Sua amada avozinha.

Ignorada até então,
Como às velhas rimas.
Que fazia o velho barão,
Sobre suas pequenas primas.

E toda uma infância surge,
Como se nunca tivesse sumido.
O velho trabalho é deixado,
À se pensar o que poderia ter sido.

O vento vai se embora.
O perfume se levanta.
O rosto volta à si,
Quando o relógio velho canta.

O homem caminha até o carro e chorando se vai.
Logo se distrai,
Logo se esquece.
Esperando, sem pensar, que o vento venha lembrar,
Que aquele perfume não perece.
Floresce.
Se revigora e jaz, nas memórias de mais um.
D'um.
Dele.

Reencontrar,
No fundo de uma geladeira qualquer.
Atrás de distrações noturnas,
Uma galão d'águas profundas.
Que não só mata a sede.
Não só vence o mormaço.
E que ao beber se chora de lembrar,
toda uma vida de doçuras,
que embora nem tudo possa rimar,
para mim sempre haverá a ternura,
de nessa água poder saciar,
toda minha saudade.
Saudade.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Na ausência de dois olhares

Inveja.
Como não ter?
Por que haveria de ser ruim tê-la?
Não tê-la.
Tê-la.
Tenho-na.
...muito.
Me tortura,
me afaga.
Traz-me à ilusão de realidades.
Recriações em hipóteses.
À Indagações.
Suposições.
Possibilidades.
A maioria delas me machuca.
Me agride.
Destroça os meus anseios.
Como poderia assim não ser?
Como eu poderia...
Não sei.
Não consigo ignorá-la.
A memória,
O pensar,
Você.
Consome minha vivência pois é parte de mim.
Uma linda parte.
Me pergunto onde está,
Se está rindo.
Ah, se está rindo...
Posso ouvir o gargalhar que sufoca-me.
Condensa meu peito em espasmos cardíacos.
Que tentam, tentam, tentam, tentam...

Invejo.
Não você.
Nunca você.
Mas todos os demais.
Todos que podem lhe ter em vista agora.
Que podem admirá-la, feliz ou triste, em ser você mesma.
Eu a admiro,
Sempre que eu quero.
Estou sempre a admirá-la.
Em meus pensamentos.
Fracos,
Escassos,
finitos.
Se, não é em lembranças,
Você é a mim.
Minhas idéias, vontades e ações.
No limiar do meu limitado pensamento.
Na imaginação.
Crio-na doutra forma para experimentar a experiência de tê-la novamente.
Ter novas memórias.
As antigas se deterioram por tanto serem relembradas.
Sempre lamentei não poder guardar cada detalhe de seu rosto.
E nisso meu admirar também falha.
Volto a invejar.
Seja quem for, contanto que esteja por perto de ti.
Quem sabe lhe tocar,
Lhe fazer rir.
Te abraçar.
Meus abraços.
Quem sabe até lhe beijar.
De despedida ou de chegada.
Ou daqueles que surgem no meio da conversa interrompendo sua fala,
ou a dele,
ou a dela.
E eis a loucura aflorar em mim.
E toda a fantasia minguar.
...
E eu aqui, a recriar até isso.
Não há posse sobre ti,
e o invejar é tão doce.
Pois tudo que ele me remete é sua imagem.
Sua presença, mesmo que fruto de minha insanidade, me conforta.
Me confronta sobre o devir,
e me faz pensar: Quando deixarei de invejar?
...
No dia seguinte,
caminho à amaldiçoar.
Todos!
Todos que eu vejo dá-me raiva.
Pois sei que um desses,
Esta noite,
pode ter ido dormir,
depois de ter beijado o que de mais belo há pra mim.
De mais importante.
E que há,
de ter repousado,
sem nem imaginar,
o que aquela boca,
aquela menina,
para alguém distante possa significar.
Um estranho teve por um momento o mundo de outrem.
E outros terão.
E como terão.
Mais do que eu jamais tive.
Mais do que eu jamais pensei em ter.
E mesmo assim,
Eu sonhei.
Eu cri.
E num último invejar,
me despeço.
Para nunca mais lembrar,
te recriar.
...
E na pureza de sua ausência,
um "oi" perdido acalenta.
Vivifica como se estivesse aí.
Como se sempre estivesse.
As palavras sempre foram nossos meios,
escritas,
grafadas.
Mas o mero pensar em você me acalma.
Me tira o poder de cravar em letras e sílabas.
Não posso mais invejar.
Só sinto falta.
Falta de algo que nunca tive.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Distrações

Desempregado.
Era essa a tonalidade de minha tez.
Era nessa forma que abria a porta.
Eles iam ver.
Como esconder isso?
Esconder até de mim.
Esquecer.
Talvez assim deixa-se de sê-lo.
E a pele voltaria a morenar.
E a família não me olharia.
Ninguém perceberia.
Eu.
Isso.
Fecho a porta atrás de mim com cara de receio.
Tranco na escuridão da sala com lento pavor.
Não posso.
Não consigo.
A vontade não muda a face.
A realidade.
- Fui demitido.
Disse, cuspidamente, no breu ambiente.
Silêncio.
Seria o calar-se do choque?
Da decepção?
Sem dúvida!
Angustiava-me.
Agitava-me.
Digam algo!
Apareçam...
Fiquei parado mais um tempo.
Cacei o interruptor.
Precisava ver vossas faces.
Claramente viram a minha ao chegar.
Os dedos ansiosos esbarravam em objetos.
A pressão do silêncio sufocava.
Enforcava.
Somente um dedo restava.
Se arrastava na parede.
Perecendo.
Em seu último suspiro cai e encontra.
Luz.
Tudo ganha forma.
Forma de vazio.
De solidão.
Encarei os olhos do silêncio.
Me observava.
Esboçou um sorriso.
Deboche.
Não ria!
Por favor...não ria.
Lágrimas me suturavam a voz.
Alimentava-o.
Ele crescia.
Me despia.
Me engolia.
Ingeria tudo.
Mas eu já estava insípido demasiadamente.
Cuspiu-me e foi-se.
Não sem rir.
Com riso de quem parte.
Me parte.
Me divide.
Me destrói.
Jazi.
Tristemente caí em mim.
Fora abandonado agora por ele.
Meu parceiro há anos.
Amava a minha ausência.
O único.
Tragou-me.
E o traí.
Eu vim.
Ele não poderia existir comigo aqui.
Deixaria de sê-lo.
Usava-me para se saciar.
Agora que eu precisava,
Foi-se.
Percebo que falta ele deixa.
Mas até A Ausência começa a se esgueirar pela porta.
Não havia família.
Ninguém estava a esperar a face pálida.
Cálida.
Mas ontem mesmo o filho veio falar-lhe da escola!
- Não, retrucou a ausência ao sair.
Verdade.
Seu filho vivia agora em Amsterdã com uma jovem russa.
Mas sua esposa na última noite disse que tinha algo a contar.
- Já contou...
Deixou.
Há 7 anos.
- Sete anos?
- Sim, respondeu o relógio cuco.
Fora a última noite.
Mas a última noite antes de sua promoção.
Acho que ela disse algo sobre um Robson e gravidez.
Não importa.
Ela deve estar na cozinha.
Não tem cozinha na casa.
Não é uma casa.
É um hotel!
O que faço num hotel em Vancouver?
Toc Toc.
- Senhor, desculpe incomodá-lo, mas o gerente mandou-lhe.
Pego o envelope.
Procuro uns trocados mas só encontro um cartão de visitas.
Mas o garoto já se foi.
A porta está trancada e a carta aberta na mesa há dias.
Como assim devo 3 meses?
Como vou pagar estando desempregado?
- Já está assim há um semestre.
Resmunga o elevador que leva-me entre os guardas.
Três malas, uma bolsa e a maleta.
O cuco ficou.
Me deixou também.
Como não percebi nada disso?
- Distraiu-se.
- Quem diz?
- Acostume-se. Já me fiz com você, aconselhou a sarjeta.
Pensei.
Nunca tive tempo para me distrair.
Trabalhava tanto.
Duro.
- Distraiu-se.
Começo a odiá-la.
Saudades do silêncio.
- Você o trocou pelo desemprego. Ele não podia viver com você.
Ignora-na.
Ah, minha família.
Lembro do dia em que conheci a...
- Silêncio! Mortos não pensam. Vociferou, por fim, a vala comum.

Pérola de GuangZhou

Entidade do Olimpo
Não poderia deixar de eternizá-la.
Condicioná-la em minhas palavras
para talvez nunca ler.
Não importa.
Externá-la.
Assim como está agora.
Fonte e fruto do meu desejar.
Sei falar e pensar em ti n'outra língua.
N'outra forma de ser.
Lamentável não haver palavras nesta.
A comunicação se faz no silêncio.
Nos olhares adestrados à linguagens diferentes;
Nas línguas que se tocam.
Os idiomas refletem e conduzem o ser e o pensar.
Separam e unem.
Mas o estar suprime as identidades e as recria.
O viver traz à memória e ao cotidiano o gostar.
O pertencer.
Dizia-me quão diferentes éramos.
Dizia-lhe que éramos um casal.
AS crenças se inverteram.
Pereceu.
No silêncio.
Não mais no de nosso estar,
mas no do vazio de minha vida distante.
Dizia-me: Antigo
Dizia-se safada e sozinha.
Dava-nos vivência.
E o futuro?
Era pensado no não-pensar dito.
Como acreditar em suas palavras?
Como não o fazer para com seu olhar?
Dizia-me ferocidades e amava-me docemente
Desencantava na fala para desabrochar no corpo.
Na cama.
E nesta, quando falava, eram indagações do futuro
Estremecia e talvez respondia, não sei, eram palavras
Aprendi a viver como ela e ela como eu.
Queria frases,
certezas,
planos,
promessas.
Eu,
apenas estar e sentir.
Não que nos mantivéssemos firmes assim,
Invertíamos e misturávamos,
como nossos corpos o faziam nas longas noites de vizinhança partilhada,
ou nas últimas manhãs e tardes.
Disse que lhe amava,
E de alguma forma ainda a amo.
Amar nunca me pesou.
Sempre soube que seria efêmero,
e que eu deixaria assim ser.
Nem tanto por ela assim dizer no princípio,
quando eu ainda acreditava em suas palavras.
Embora me desesperasse por momentos em que pensava nisso.
Mas meu interior,
e suas palavras finais,
ajudaram-me a esquecer
e deixar.
Por fim,
voltei a querer acreditar em suas palavras como fiz no início.
Triste o descuido e imprudência sobre seu doar.
Seu falar.
Que como o meu no intervalo de nosso estar
Ela disse que me amava.
Nunca disse a ninguém.
Nem a progenitores e o imensa e ocultamente amado irmão.
Não traí-lhe as palavras.
A amei também.
Apenas no meu jeito antigo e cansado de ser.

E qual fora o peso de dizer-me isso?
Não cabe a mim saber,
somente materializar o dito nas lembranças daquele momento.
Talvez assim possa tê-las vivido.
Desejo que fique bem.
E que a ostra não se feche.
Fortemente.
Ou então se desencante e se abra.
Descrente.
E minha xiaozhu se perca.
E ninguém nunca mais a ouça cantar.
Em lembranças,
Será minha eterna pérola do cantão.

Indissociável

Se não fosse a consciência de ti
poderia dizer que não é.
Nenhuma é.
Depois que se deita com uma,
as outras são meras releituras.
É claro, não ignoro as diferenças,
mas também não faço com o que assim não é.
Seu jeito de deitar-se sobre mim
de acarinhar-me a face,
apertar-me as costas.
Até a paixão em olhos não surpreende.
É mera paixão.
Passione.
Passiva.
Encantada e dominada.
Conquistada.
Os nomes indiferem.
Se diferem, insignificam.
Até os olhos.
Só o brilho importa.
Somente o suor existe.
E os braços, e abraços, e amasssos...
Ah, e as juras?
São sempre as juras que nos cobram
Mas foram, embora não o sejam mais, verdadeiras.
As palavras são apenas uma forma.
Assim como todos aqueles nomes, rostos, histórias.
As horas que se perderam em minutos,
Como as pernas entre os corpos e os lençóis e roupas no chão.
Se perdem,
Se misturam,
Se espalham.
Talvez, não para serem revividos,
mas para serem encontrados, separados e juntos pela mente que lembra.
Que apenas lembra.

Ma première française

O seu jeito de falar
Sua voz suavemente rouca e sussurrada
Exitava
Não tinha como não ficar.
Dita delicadamente,
Como um segredo de amantes.
Algo íntimo.
Sua fala carregava o mais íntimo de si.
Seu olhar conduziu o romance.
O maestro de corpos no quarto escuro.
O jeito que mordia o lábio.
O seu.
O meu.
Era o acento tonal da canção.
Mais braços a detinham mais firme.
Se desmanchava em meu colo.
Suas pernas me enlaçavam e as respirações,
Ofegavam,
Ruidam,
Ritmavam.
Seu queixo se levantava abrindo-me seu pescoço.
A beijar.
Mordiscar.
Seu sussurro francês me possuia,
e assumia o desejo.
Seu quadril se encaixava em minhas mãos aleatórias
e pulsava,
e pulsava,
conduzindo
o
batimento
cardíaco.
Nosso.
Seus seios juntos ao meu peito eram,
assim,
metronomizados.
Agora,
Me olhava.
Seus olhos queriam
Abraçar-me por inteiro.
Como seus braços e pernas.
Mordiscava-me.
Sentia sua língua saborear-me.
Reluzia,
em seu jeito gálico.
Ascendia sobre mim em gemidos doces,
que somente sua boca francesa sabia fazer.
Subia mais.
Subia.
Seu olhar se perdia ao alto
e o meu,
nela,
abaixo.
Ponta de seus seios me tocavam,
e a dança dos corpos a fazia ceder.
Se intensificava.
Como mulher,
Como amante.
Suas costas curvadas para mim,
conduziam à sua nuca.
Ah! Como ela adorava.
Fosse a nuca acima
ou abaixo,
em suas nádegas durinhas.
Compactas.
Encaixadas.
Minhas mãos prendendo e se perdendo.
Percebia gemidos sussurrados a mais.
Seu ritmo cavalgava num crescendo.
Sentia onde estava.
Na distância de chegar.
Estava.
Nela.
Sua voz já era bem audível.
Pedia,
Conduzia,
Deleitava-se no saboroso francês de Lyon.
A calmaria já transformava-se numa tempestade em meu colo.
Nosso colo.
A cama sussurrava,
gemia ao ritmo franco-brasileiro.
O suor era presente,
visível no ar.
Nosso ar.
Entre e de nós.
A matéria que unia o restante dos corpos.
Subia alto.
Subia.
Forte.
Firme.
Gritava.
...
Descia.

Era minha.
Ah, como era minha.

Segundo Lamento

Quero amar.
Amar no sentido que quiser entender.
Sentir por aqueles olhos que és único.
Que toda sua existência pode ser saboreada neles
e todas as convenções não existam mais.
Não em um individualismo,
menos então de forma pública,
no sentido puro dessa esfera,
mas amar de forma ocasional,
Imprecisa.
Incerta.
Irracional.
Cabe-me apenas desejar,
por mais articuladores que possamos ser,
não seria dessa forma o meu querer.
Poético demais para o amor?
Para o desejar?
Para o formato contemporâneo da sociedade, alguns diriam,
poderia enumera-los,
mas não conheço-a em sua totalidade
e descreio que alguém assim o seja.
Sinto que o amor tornou-se amour,
com toda sua sonoridade e sabor.
A comparação só existe na esfera da diversidade.
E o poeta o que é senão um antropólogo d'alma
ou do irracional que há no mais particular e coletivo sentir.
No ser.
Do ser.

Lamento de um principiar noturno

É tão triste sentir isso.
A noite está triste,
em toda a extensão que ainda não aconteceu.
Olho as horas e lamento
que faltem mais de 6 horas para o dia começar
e eu ser distraído, ou melhor,
me distrair com o mundo.
Mundo que pela minha curiosidade destruiu.
Alterou.
Sumiu com meu amor.
As lembranças de mim mesmo me fazem rir.
e as vezes os outros.
As vezes me dão vontade de voltar.
De chorar.
O que me acalma é Sentir,
Pensar,
Achar,
Que a melhor de minhas lembranças é a que vivo.
A que viverei.
Ou quem sabe no plural.
As lágrimas surgirão,
não mais como vontades,
mas ganharão existência ontológica quando relembrar este presente.
Pois vivo com uma percepção que não tinha nas vivências que recordo agora.
Logo, confunde-se no meu eu
O que foi,
O que eu escutei que foi
e o que eu queria que tivesse sido.
Será que conseguirei enganar o futuro?
Sem que o Alzheimer me ocorra?
Continuo acreditando na criação humana de seu percorrer,
mas são muitos os seres para que meu caminho seja controlado só por mim.
Talvez nem eu o queira assim.

Para esquecer o futuro como regra e só restar aquele que os desejos [e sonhos] querem construir.

À madrugada

Ó minha confidente madrugada,
Onde estavas tu enquanto o sol regia
de forma tictaqueana o meu cotidiano.
Sorte, pudera eu, ter o mundo dos homens pra me distrair.
Sorte, poder, na ignorância mecânica, abstrair de mim mesmo
a sentir como deus sentiria.
Se bem que, até mesmo ele haveria de ser subjetivo demais na vida humana.
Haveria então de eu ser, simplesmente, nada.
A ausência de seu silêncio há de ser a de mim mesmo.
Estou instalado, projetado em ti do mesmo modo que projeto
meus sonhos e todas as doces e belas crenças que possuo.
És fiel,
Até que me troque por outro meridiano.
Me pergunto como seria a vida de um amante seu,
que ousasse servi-la.
Mimá-la.
Acredito que tentaria possuí-la e assim enfrentaria o mundo,
lógico ou não, para transgredir a própria natureza de si própria.
Na melhor das hipóteses,
talvez a mais bem sucedida,
ele acabaria por matá-la.
Deixaria de sê-la.
Não há como possuí-la.
Nem ao menos como mimá-la.
És uma dama que chega para acarinhar o mundo após um dia de muito esforço.
Um dia com muita movimentação e energia.
És a dama que se deita sobre o corpo desfalecido do amante.
És, assim, impossível.
Seja a incapacidade do amante ou o ordenamento tictaqueano, tu vens para ser vivida.
Saboreada.
Vens para possuir e fluir.
Nos devaneios dos que negam o ordenamento ou simplesmente daqueles que o seguem às avessas.
Sua natureza há de ser passageira e, como a minha, querida adorada, noturnamente solitária.