sábado, 23 de março de 2013

Nega

Triste nome que machuca.
Fere até o que não se sente são.
Arranha até o que não lhe pertence e
faz tormento à inquietude que há muito não há.
Desolação.
O que mais há de ser senão o desolável;
O incomensurável ato da dor.
Aquilo que não se afasta,
não se retira,
não se expulsa.
O Inexpugnável sentir.
O vazio e o insustentável.
A abundante tristeza que entorpece os sentidos;
os pensamentos.
Nada mais há.
Nada deveria de haver.
Nossa dor fazemos nós mesmos.
O sofrer é o delírio do ser.
A amargura é fruto do eu.
O incompreensível brota do anseio em compreender.
A distância mata mais que a morte.
Esta retira a agência,
Aquela a lembrança.
O enebriamento do cotidiano afasta a dor;
afaga-a e alimenta.
Explodirá!
É claro que explodirá.
O vazio se engrandece além da forma de si próprio.
Expande e dominará.
E domina.
Corrompe e destrói.
Entontece tudo que outrora foi.
O afastamento é impossível.
A distância é nula.
Defronta-se com a triste e solitária realidade do eu.
Do eu que tantos seres possui.
Possuía-na, minha avó.
Estás em mim para além do entendimento.
Posso descobrí-la a cada novo teste;
a cada novo ato me vejo no passado;
me vislumbro com lembranças que nunca mais lembrei.
Me deparo com a incerteza de tudo,
onde antes tão firme era.
A rigidez das certezas foram contigo.
Já desmoronavam há tempos.
Ruiram.
Compreendo que pouco há a compreender.
Tal verbo pertence à uma esfera do todo,
insuficiente para projeções universalis.
O tempo dos homens é o da insegurança;
das incertezas.
O estável pode enraizar-se nas edifícações humanas,
mas pouco é aos olhos do acaso.
Debocham-lhe.
Mastigar-lhe-ão as afirmações;
as firmezas.
Nada há, minha senhora.
Somente o vazio que permitiu-me criar,
após tamanhas raizes que deu-me a ser.
O que restarão aos seres sem suas memórias?
Edificam-lhe e os possibilitam à obras tais.
Basta uma ocasionalidade,
um inesperado ato,
uma triste surpresa,
e nada mais serão.
Tiram-lhes o que era eterno.
O que deu-lhes base à crer na verdade,
à crer que tal existiria,
e como atributo,
portaria a eternidade.
Tiram-lhe e todas as demais certezas ruirão.
Restarão à seus olhos apenas crostas,
cascas vazias de um mundo que não mais é.
Fora, é claro que fora,
mas na mente que pode acreditar.
No ser que pôde viver ao seu lado, vó.
Apenas isso.
Os ofícios da rotina,
que deveriam conduzir ao esquecimento,
ou mero abrandamento da dor,
resultam em sua contradição.
Aparecem fortes na determinação da fuga,
mas frágeis em si.
Não suportarão!
Nada restará.
São esqueletos frios como aquele que repousa.
Os sentidos se perderam.
Estes só podiam existir pela certeza de poder me abrigar em ti.
De poder repulsá-los a qualquer momento e voltar aos quebras-cabeças.
De desenhar nas aulas de tricôt.
E agora, hei de agir e edificar novos abrigos?
Isto seria mais um novo distrair.
Conduzir a certeza das coisas.
Estas são frágeis.
A certeza apenas... era.
Não deveria depender do eu.
Nunca!
Seria a negação de si própria.
E é assim que me aparece.
O que fora certo,
não mais é.
Não quero controlar.
Isto foge a forma da vida.
Não temos o controle e a certeza de nada.
Não devemos induzí-la.
Não é isso que me mostra?
Seria imprudente e desrespeitoso à tais lembranças
não entendê-lo.
Nada mais é, dona nega.
E não há tristezas em aceitar,
senão no vazio de uma velha crença.
De uma crença onde tudo era;
onde tudo poderia ser.
Até o último instante, e além, me protegeu disto.
Fora eu o último a aceitar a fatalidade.
Fugia dela com a certeza de eliminá-la.
Eliminei de mim momento ótimos.
Como aquelas noites de sexta ou sábado dormindo ao chão de vosso quarto.
Ou a compreensão rara ao meu tipo de humor que lhe fazia rir.
Acreditei, para fugir disto, em deveras outras coisas.
Todas tão frágeis, para suavizá-las, quanto a isto.
Muito mais, na verdade.
Construiram vazios que explodem e hão de explodir.
Nada além de construções minhas.
Através de minha fé nestas,
outrora, certezas.
O mundo dos homens é apreensível,
desvendável,
conquistável.
E justamente por isso é simples;
entediantemente simples.
Incompleto como reflexo de seu criador.
Haverão vazios neste enquanto permitir-nos.
A completude,
sem dúvida há,
nas certezas que trazemos do passado;
nas certezas que a vida nos cerceará.
Em algumas que podemos construir,
mas serão frutos de nosso controle;
de nosso querer.
Serão miniaturas do nós,
e sobre nossa guarda,
ficaremos à margem de nós mesmos.
O além existe no que resiste,
no que resta e restará,
de um tempo onde o certo havia;
onde o certo há.
E as mais puras e doces lembranças,
apenas machucarão mais,
pela ausência de materialidade que elas nos trazem.
Do abrigo que tanto carece o homem.
Da certeza de algo além.
Algo supra si.
Algo que nos tranquilize por nossa ínfima existência.
A certeza se instaura no controle externo.
No que foge ao eu.
E que certeza me restará,
quando não mais houver,
tudo aquilo que me fez ser;
tudo aquilo que acreditei ter;
tudo aquilo que ensinou-me a amar.

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