Fere até o que não se
sente são.
Arranha até o que não
lhe pertence e
faz tormento à
inquietude que há muito não há.
Desolação.
O que mais há de ser
senão o desolável;
O incomensurável ato
da dor.
Aquilo que não se
afasta,
não se retira,
não se expulsa.
O Inexpugnável sentir.
O vazio e o
insustentável.
A abundante tristeza
que entorpece os sentidos;
os pensamentos.
Nada mais há.
Nada deveria de haver.
Nossa dor fazemos nós
mesmos.
O sofrer é o delírio
do ser.
A amargura é fruto do
eu.
O incompreensível
brota do anseio em compreender.
A distância mata mais
que a morte.
Esta retira a agência,
Aquela a lembrança.
O enebriamento do
cotidiano afasta a dor;
afaga-a e alimenta.
Explodirá!
É claro que explodirá.
O vazio se engrandece
além da forma de si próprio.
Expande e dominará.
E domina.
Corrompe e destrói.
Entontece tudo que
outrora foi.
O afastamento é
impossível.
A distância é nula.
Defronta-se com a
triste e solitária realidade do eu.
Do eu que tantos seres
possui.
Possuía-na, minha avó.
Estás em mim para além
do entendimento.
Posso descobrí-la a
cada novo teste;
a cada novo ato me vejo
no passado;
me vislumbro com
lembranças que nunca mais lembrei.
Me deparo com a
incerteza de tudo,
onde antes tão firme
era.
A rigidez das certezas
foram contigo.
Já desmoronavam há
tempos.
Ruiram.
Compreendo que pouco há
a compreender.
Tal verbo pertence à
uma esfera do todo,
insuficiente para
projeções universalis.
O tempo dos homens é o
da insegurança;
das incertezas.
O estável pode
enraizar-se nas edifícações humanas,
mas pouco é aos olhos
do acaso.
Debocham-lhe.
Mastigar-lhe-ão as
afirmações;
as firmezas.
Nada há, minha
senhora.
Somente o vazio que
permitiu-me criar,
após tamanhas raizes
que deu-me a ser.
O que restarão aos
seres sem suas memórias?
Edificam-lhe e os
possibilitam à obras tais.
Basta uma
ocasionalidade,
um inesperado ato,
uma triste surpresa,
e nada mais serão.
Tiram-lhes o que era
eterno.
O que deu-lhes base à
crer na verdade,
à crer que tal
existiria,
e como atributo,
portaria a eternidade.
Tiram-lhe e todas as
demais certezas ruirão.
Restarão à seus olhos
apenas crostas,
cascas vazias de um
mundo que não mais é.
Fora, é claro que
fora,
mas na mente que pode
acreditar.
No ser que pôde viver
ao seu lado, vó.
Apenas isso.
Os ofícios da rotina,
que deveriam conduzir
ao esquecimento,
ou mero abrandamento da
dor,
resultam em sua
contradição.
Aparecem fortes na
determinação da fuga,
mas frágeis em si.
Não suportarão!
Nada restará.
São esqueletos frios
como aquele que repousa.
Os sentidos se
perderam.
Estes só podiam
existir pela certeza de poder me abrigar em ti.
De poder repulsá-los a
qualquer momento e voltar aos quebras-cabeças.
De desenhar nas aulas
de tricôt.
E agora, hei de agir e
edificar novos abrigos?
Isto seria mais um novo
distrair.
Conduzir a certeza das
coisas.
Estas são frágeis.
A certeza apenas...
era.
Não deveria depender
do eu.
Nunca!
Seria a negação de si
própria.
E é assim que me
aparece.
O que fora certo,
não mais é.
Não quero controlar.
Isto foge a forma da
vida.
Não temos o controle e
a certeza de nada.
Não devemos induzí-la.
Não é isso que me
mostra?
Seria imprudente e
desrespeitoso à tais lembranças
não entendê-lo.
Nada mais é, dona
nega.
E não há tristezas em
aceitar,
senão no vazio de uma
velha crença.
De uma crença onde
tudo era;
onde tudo poderia ser.
Até o último
instante, e além, me protegeu disto.
Fora eu o último a
aceitar a fatalidade.
Fugia dela com a
certeza de eliminá-la.
Eliminei de mim momento
ótimos.
Como aquelas noites de
sexta ou sábado dormindo ao chão de vosso quarto.
Ou a compreensão rara
ao meu tipo de humor que lhe fazia rir.
Acreditei, para fugir
disto, em deveras outras coisas.
Todas tão frágeis,
para suavizá-las, quanto a isto.
Muito mais, na verdade.
Construiram vazios que
explodem e hão de explodir.
Nada além de
construções minhas.
Através de minha fé
nestas,
outrora, certezas.
O mundo dos homens é
apreensível,
desvendável,
conquistável.
E justamente por isso é
simples;
entediantemente
simples.
Incompleto como reflexo
de seu criador.
Haverão vazios neste
enquanto permitir-nos.
A completude,
sem dúvida há,
nas certezas que
trazemos do passado;
nas certezas que a vida
nos cerceará.
Em algumas que podemos
construir,
mas serão frutos de
nosso controle;
de nosso querer.
Serão miniaturas do
nós,
e sobre nossa guarda,
ficaremos à margem de
nós mesmos.
O além existe no que
resiste,
no que resta e restará,
de um tempo onde o
certo havia;
onde o certo há.
E as mais puras e doces
lembranças,
apenas machucarão
mais,
pela ausência de
materialidade que elas nos trazem.
Do abrigo que tanto
carece o homem.
Da certeza de algo
além.
Algo supra si.
Algo que nos
tranquilize por nossa ínfima existência.
A certeza se instaura
no controle externo.
No que foge ao eu.
E que certeza me
restará,
quando não mais
houver,
tudo aquilo que me fez
ser;
tudo aquilo que
acreditei ter;
tudo aquilo que
ensinou-me a amar.
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