domingo, 26 de julho de 2009

Capítulo 17 - Nínguem vê a roupa do Rei

Mal fechei a porta atrás de mim e ele pos-se a falar.
- Sabe, eu cresci numa terra longe de qualquer lugar que tenha ido, lá era bem diferente. - fez-se um silêncio e prosseguiu - Quando jovem, acordava e ia direto a um vale próximo, só para admirar um fruto da natureza. De meu lar poderia ver, mas gostava de sentar no gramado e deixar o vento tocar-me, talvez como um toque mais perto à aquele que o fruto dava ao meu espirito. Eram assim todas as manhãs, desde quando me lembro. Sentar e passar um tempo, não calculado ou estipulado, apenas em observar uma filha da flora que não existia em nenhum outro local que meu povo sabia, e deixo uma nota de que sabiam mais do que possam as aparências dizer. Não importa à quem pudesse perguntar, todos diziam-me o mesmo, que, aquela flor, e eu não havia de encontrar outra igual, era a mais bela e única. Uns diziam que era uma benção da natureza, outros, que seria obra dos deuses. Uns mais fechados falavam de ser a arrogância personificada, mas creio que não mais do que a de seus corações. Ainda haviam os que diziam ser esta apenas uma flor. Seja o que digam, para mim e muitos dos quais todas manhãs, ou, no percorrer do dia, iam à observá-la, era mais do que um composto orgânico comum.
- Olha-la era como sentir a felicidade, a paz, a manifestação da vida trazida ao vale pelos doces ventos do norte, inegável não brotarem sorrisos no rosto de todos que perduravam à rotineira visita, e digo, que até os gélidos corações dos que viam, na mais singela manifestação da perfeição na natureza, não uma força para melhorar, mas a força para invejar, estes haviam de sorrir, mesmo que seus músculos faciais esquecessem-se de como o fazer.
- E lá estava todos os dias e noites, na encosta mais íngreme, onde o acesso não existia, o que eu muito agradeço e agora entendo a beleza de nunca poder aproximar-me tanto assim.
- Quando jovem, e não só a mim, entristicia-me muito não poder chegar perto para sentir seu aroma, sua textura, embora o vento tocasse meu coração e sua idéia o meu espirito, minha pele e meu olfato não compreendiam a negação. Não ousava, e como disse, isso não acontecia só a mim, outros que eu conhecia, pulavam do penhasco a fim de saboreá-la mesmo que pouco na descida perigosa e mortal.
- De qualquer forma, não haviam relatos do que, ou se, conseguiam senti-la mais. Outros tentavam escalar, mas o rochedo era tão cortante que a mais grossa luva não resistia à meros dois metros alcançados. Como ficava próximo a costa, alguns tentavam alcança-la do topo de naus, mas nada conseguiam alem de dor e machucados.
- Mas as coisas começaram a mudar quando "os outros" chegaram e a cobiça eclodia de seus olhares. Eles não à queriam. Necessitavam-na.
- Porém, ao contrário de nós, eles não cansavam de tentar. Todos nossos erros foram repetidos. Não. não nos ouviam. Creio que isso seja algo natural, por mais que sabia-se algo, só se há de compreender quando senti-lo, mesmo que isso signifique dores e até perdas.
- Eles tinham muitos equipamentos que nós não tinhamos, mas não por falta de saber, por falta de necessidade, só para isso havia, e creio que há, lógica em criar-se algo. Mas o fato é que eles criavam suas necessidades e pelo visto - olhou em volta, demorando-se mais nos barrís com pólvora, nas bolas de canhão e fardas velhas ao canto. Terminando por olhar a espada em meu cinto. - ainda criam.
- E foi então que a paixão por tal necessidade os fez cegar para o que tanto o apaixona. E resolveram mirar vários canhonetes de suas naus à encosta, para quem sabe assim, trazer para perto o brilho que os inspirava. Que os prendiam. Mas os limitava à suas miopias.
- O braço do líder acenou e ouviu-se um estrondo. Este ligou-se ao dos rochedos, finalizando-se na encosta. Destroçado. Espatifado como se fosse uma vidraça vitima de um golpe rápido e violento.
- Lembro que quando a fumaça começou a despersar-se, "os deles" que residiam em solo correram, e na encosta destruida uniram-se aos vindos por pequenas embarcações. Vasculharam por além do tempo. Sóis percorreram os céus até que por fim a encontraram. E lembro-me do que aclamavam na inocencia do momento.
" - Era isso? Foi esta mísera rosa que fez-nos sacrificar vidas, semanas e noites sem dormir? Poderiamos estar conquistando vários povos, riquezas e mulheres. Olhem! Nem tem cheiro!" - riu exageradamente com a flor, de caule amolecido pela água marinha, caída em seus dedos como um cadáver nos braços de seu amado - "Desperdício." - retrucou seriamente e a jogou no rochedo. - "Venham homens! Talvez ainda não tenha sido tudo em vão." - Olhou para todos nós amontoados, vendo tudo que se seguira a uma distância.
- Meus olhos não sairam da flor caida dentre as rochas. Nem apercebi-me o que mais eles fizeram ou disseram em seguida. Queria-a. Não mais para saborear os sentidos, mas porque algo em mim doía. Talvez fosse o vento frio que do norte vinha.
- Assim que afastaram-se, corri para lá e ao aproximar-me, a vi toda esfarelada. Suas pétalas estavam quebradiças. Seu brilho não existia. E embora seu caule não quebrara, amolecera. Suas folhas encolhiam-se como que querendo abraçarem-se. Fechando-se para poupar algo. Não haviam raizes. Nem vestígios de que alguma vez houve. Ao poucos fora chegando mais perto e assim que minha mão estava para fechar-se sobre esta, o vento forte pegou-nos, e ela como que flutuou à minha frente e esfarelou-se no ar. Em seguinda, a poeira espalhou-se adiante, para assentar-se entre rochas que eram engolidas periódicamente pelas ondas.
- Um conflito enorme habitou-me. Porque a flor temia-me tanto a ponto de pedir aos ventos, que tanto traziam sua vida ao meu coração, para destruí-la de modo a não residir nada alem de folículas cristalinas que despersavam-se no mar. Porque havia de ficar desmanecida senhorita na mão de seu assassino e de mim fogias?
- Sem mais fazer além de questionar e lamentar-me. Fiquei mais uns instantes à observa-la liquifazer-se completamente. Por fim virei-me, e sem olhar para trás, por estar um tanto ressentido por esta, minha adoração de tantos tempos e minha fiel testemunha, ter-me abandonado assim. Caminhei lentamente para longe dali. E foi então que, ao saltar as ultimas rochas próximas no gramado, vi um brilho sob uma pedra.
- "Era ela? Não podia ser, desfez-se no mar. Mas então o que seria?" - Indagava-me parado no gramado.
Quando cheguei à pedra, e fiz menção de move-la, tornou-se muitissima pesada. Não conseguia tirá-lo. Desesperado, cai de joelhos e estive à chorar por sobre o arenito. Tamanhas lástimas que me acompanhavam neste desespero. Primeira fora a chegada desses "outros". Depois sua sagaz perseguição à nossa adorada. Por fim essa destruição cega.
As lágrimas caiam. Ao toque da primeira, a pedra imóvel, quebrou-se em grãos.
E assim percebi que, ali estava-a, ao meu alcance, sem ventos. Uma pétala.
Não pude esconder a alegria. Segurava na ponta dos meus dedos. Firme. Delicado. Sua textura era como minha pele, e ao toque, eram como gêmeos tocando-se.
Seu aroma mudava-se constantemente, desde a maresia ao perfume dos girasssóis ou cidreira.
- Infelizmente para nós, que habitavamos o não-tempo, minha alegria não passou despercebida e logo ouvia-se gritos e correria. Lembrei-me que não estava mais sozinho, que estava em minha terra, com meu povo, e ao virar-me, vi, "eles"correndo em minha direção. Não entendia o que diziam. Ameaçavam com olhares e gestos. Até que um deles arremessou-me uma garrafa que estivera bebendo para suprir a frustração vivida. Embora fosse comum e toleravel, não senti medo ou desespero, apenas voltei minha atenção para minha mão, onde jazia a doce pétala, tão macia. Tão adocicada em sua presença e vida. Até que ouvi o que precisava ouvir.
"- Proteja-me."
- E assim o fiz.
- Sabe, meu amigo. Depois, nos meus anos seguintes, e até agora mesmo, sempre estou a pensar e sentir aquele momento, e creio que hei sempre de compreender algo a mais que ele tem a mostrar-me. E pensar que o Possuir pode ser tão desejado assim. Mas nem sempre há de ser o Melhor, não é?
O que o necessidade criada pode gerar para todo o resto. Como, a compaixão de Desdemona em deleitar-se nos braços de Otello. O mal de um pode ecoar no receio pelo todo o resto, e querer a solidão de desmanchar-se ao mar à ter de tentar mais um toque. Da esperança perdida sob a mais dura rocha, que ainda sim é frágil perto do amor. Amigo, ja viu algo que pode não representar nada para alguem e absolutamente muito para outrem? Creio que o maior valor não está Naquilo que é JOGADO, ou julgado pelos outros, mas pelo sentimento que firmamos com nossa adoração, algo que só nós, e digo, SOMENTE NÓS êmos de compreender e VER sua verdadeira beleza.

Após ouvi-lo atentamente, não quis nada perguntar e saí.
Fôra ao convés olhar as estrelas.

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