quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Distrações

Desempregado.
Era essa a tonalidade de minha tez.
Era nessa forma que abria a porta.
Eles iam ver.
Como esconder isso?
Esconder até de mim.
Esquecer.
Talvez assim deixa-se de sê-lo.
E a pele voltaria a morenar.
E a família não me olharia.
Ninguém perceberia.
Eu.
Isso.
Fecho a porta atrás de mim com cara de receio.
Tranco na escuridão da sala com lento pavor.
Não posso.
Não consigo.
A vontade não muda a face.
A realidade.
- Fui demitido.
Disse, cuspidamente, no breu ambiente.
Silêncio.
Seria o calar-se do choque?
Da decepção?
Sem dúvida!
Angustiava-me.
Agitava-me.
Digam algo!
Apareçam...
Fiquei parado mais um tempo.
Cacei o interruptor.
Precisava ver vossas faces.
Claramente viram a minha ao chegar.
Os dedos ansiosos esbarravam em objetos.
A pressão do silêncio sufocava.
Enforcava.
Somente um dedo restava.
Se arrastava na parede.
Perecendo.
Em seu último suspiro cai e encontra.
Luz.
Tudo ganha forma.
Forma de vazio.
De solidão.
Encarei os olhos do silêncio.
Me observava.
Esboçou um sorriso.
Deboche.
Não ria!
Por favor...não ria.
Lágrimas me suturavam a voz.
Alimentava-o.
Ele crescia.
Me despia.
Me engolia.
Ingeria tudo.
Mas eu já estava insípido demasiadamente.
Cuspiu-me e foi-se.
Não sem rir.
Com riso de quem parte.
Me parte.
Me divide.
Me destrói.
Jazi.
Tristemente caí em mim.
Fora abandonado agora por ele.
Meu parceiro há anos.
Amava a minha ausência.
O único.
Tragou-me.
E o traí.
Eu vim.
Ele não poderia existir comigo aqui.
Deixaria de sê-lo.
Usava-me para se saciar.
Agora que eu precisava,
Foi-se.
Percebo que falta ele deixa.
Mas até A Ausência começa a se esgueirar pela porta.
Não havia família.
Ninguém estava a esperar a face pálida.
Cálida.
Mas ontem mesmo o filho veio falar-lhe da escola!
- Não, retrucou a ausência ao sair.
Verdade.
Seu filho vivia agora em Amsterdã com uma jovem russa.
Mas sua esposa na última noite disse que tinha algo a contar.
- Já contou...
Deixou.
Há 7 anos.
- Sete anos?
- Sim, respondeu o relógio cuco.
Fora a última noite.
Mas a última noite antes de sua promoção.
Acho que ela disse algo sobre um Robson e gravidez.
Não importa.
Ela deve estar na cozinha.
Não tem cozinha na casa.
Não é uma casa.
É um hotel!
O que faço num hotel em Vancouver?
Toc Toc.
- Senhor, desculpe incomodá-lo, mas o gerente mandou-lhe.
Pego o envelope.
Procuro uns trocados mas só encontro um cartão de visitas.
Mas o garoto já se foi.
A porta está trancada e a carta aberta na mesa há dias.
Como assim devo 3 meses?
Como vou pagar estando desempregado?
- Já está assim há um semestre.
Resmunga o elevador que leva-me entre os guardas.
Três malas, uma bolsa e a maleta.
O cuco ficou.
Me deixou também.
Como não percebi nada disso?
- Distraiu-se.
- Quem diz?
- Acostume-se. Já me fiz com você, aconselhou a sarjeta.
Pensei.
Nunca tive tempo para me distrair.
Trabalhava tanto.
Duro.
- Distraiu-se.
Começo a odiá-la.
Saudades do silêncio.
- Você o trocou pelo desemprego. Ele não podia viver com você.
Ignora-na.
Ah, minha família.
Lembro do dia em que conheci a...
- Silêncio! Mortos não pensam. Vociferou, por fim, a vala comum.

Pérola de GuangZhou

Entidade do Olimpo
Não poderia deixar de eternizá-la.
Condicioná-la em minhas palavras
para talvez nunca ler.
Não importa.
Externá-la.
Assim como está agora.
Fonte e fruto do meu desejar.
Sei falar e pensar em ti n'outra língua.
N'outra forma de ser.
Lamentável não haver palavras nesta.
A comunicação se faz no silêncio.
Nos olhares adestrados à linguagens diferentes;
Nas línguas que se tocam.
Os idiomas refletem e conduzem o ser e o pensar.
Separam e unem.
Mas o estar suprime as identidades e as recria.
O viver traz à memória e ao cotidiano o gostar.
O pertencer.
Dizia-me quão diferentes éramos.
Dizia-lhe que éramos um casal.
AS crenças se inverteram.
Pereceu.
No silêncio.
Não mais no de nosso estar,
mas no do vazio de minha vida distante.
Dizia-me: Antigo
Dizia-se safada e sozinha.
Dava-nos vivência.
E o futuro?
Era pensado no não-pensar dito.
Como acreditar em suas palavras?
Como não o fazer para com seu olhar?
Dizia-me ferocidades e amava-me docemente
Desencantava na fala para desabrochar no corpo.
Na cama.
E nesta, quando falava, eram indagações do futuro
Estremecia e talvez respondia, não sei, eram palavras
Aprendi a viver como ela e ela como eu.
Queria frases,
certezas,
planos,
promessas.
Eu,
apenas estar e sentir.
Não que nos mantivéssemos firmes assim,
Invertíamos e misturávamos,
como nossos corpos o faziam nas longas noites de vizinhança partilhada,
ou nas últimas manhãs e tardes.
Disse que lhe amava,
E de alguma forma ainda a amo.
Amar nunca me pesou.
Sempre soube que seria efêmero,
e que eu deixaria assim ser.
Nem tanto por ela assim dizer no princípio,
quando eu ainda acreditava em suas palavras.
Embora me desesperasse por momentos em que pensava nisso.
Mas meu interior,
e suas palavras finais,
ajudaram-me a esquecer
e deixar.
Por fim,
voltei a querer acreditar em suas palavras como fiz no início.
Triste o descuido e imprudência sobre seu doar.
Seu falar.
Que como o meu no intervalo de nosso estar
Ela disse que me amava.
Nunca disse a ninguém.
Nem a progenitores e o imensa e ocultamente amado irmão.
Não traí-lhe as palavras.
A amei também.
Apenas no meu jeito antigo e cansado de ser.

E qual fora o peso de dizer-me isso?
Não cabe a mim saber,
somente materializar o dito nas lembranças daquele momento.
Talvez assim possa tê-las vivido.
Desejo que fique bem.
E que a ostra não se feche.
Fortemente.
Ou então se desencante e se abra.
Descrente.
E minha xiaozhu se perca.
E ninguém nunca mais a ouça cantar.
Em lembranças,
Será minha eterna pérola do cantão.

Indissociável

Se não fosse a consciência de ti
poderia dizer que não é.
Nenhuma é.
Depois que se deita com uma,
as outras são meras releituras.
É claro, não ignoro as diferenças,
mas também não faço com o que assim não é.
Seu jeito de deitar-se sobre mim
de acarinhar-me a face,
apertar-me as costas.
Até a paixão em olhos não surpreende.
É mera paixão.
Passione.
Passiva.
Encantada e dominada.
Conquistada.
Os nomes indiferem.
Se diferem, insignificam.
Até os olhos.
Só o brilho importa.
Somente o suor existe.
E os braços, e abraços, e amasssos...
Ah, e as juras?
São sempre as juras que nos cobram
Mas foram, embora não o sejam mais, verdadeiras.
As palavras são apenas uma forma.
Assim como todos aqueles nomes, rostos, histórias.
As horas que se perderam em minutos,
Como as pernas entre os corpos e os lençóis e roupas no chão.
Se perdem,
Se misturam,
Se espalham.
Talvez, não para serem revividos,
mas para serem encontrados, separados e juntos pela mente que lembra.
Que apenas lembra.

Ma première française

O seu jeito de falar
Sua voz suavemente rouca e sussurrada
Exitava
Não tinha como não ficar.
Dita delicadamente,
Como um segredo de amantes.
Algo íntimo.
Sua fala carregava o mais íntimo de si.
Seu olhar conduziu o romance.
O maestro de corpos no quarto escuro.
O jeito que mordia o lábio.
O seu.
O meu.
Era o acento tonal da canção.
Mais braços a detinham mais firme.
Se desmanchava em meu colo.
Suas pernas me enlaçavam e as respirações,
Ofegavam,
Ruidam,
Ritmavam.
Seu queixo se levantava abrindo-me seu pescoço.
A beijar.
Mordiscar.
Seu sussurro francês me possuia,
e assumia o desejo.
Seu quadril se encaixava em minhas mãos aleatórias
e pulsava,
e pulsava,
conduzindo
o
batimento
cardíaco.
Nosso.
Seus seios juntos ao meu peito eram,
assim,
metronomizados.
Agora,
Me olhava.
Seus olhos queriam
Abraçar-me por inteiro.
Como seus braços e pernas.
Mordiscava-me.
Sentia sua língua saborear-me.
Reluzia,
em seu jeito gálico.
Ascendia sobre mim em gemidos doces,
que somente sua boca francesa sabia fazer.
Subia mais.
Subia.
Seu olhar se perdia ao alto
e o meu,
nela,
abaixo.
Ponta de seus seios me tocavam,
e a dança dos corpos a fazia ceder.
Se intensificava.
Como mulher,
Como amante.
Suas costas curvadas para mim,
conduziam à sua nuca.
Ah! Como ela adorava.
Fosse a nuca acima
ou abaixo,
em suas nádegas durinhas.
Compactas.
Encaixadas.
Minhas mãos prendendo e se perdendo.
Percebia gemidos sussurrados a mais.
Seu ritmo cavalgava num crescendo.
Sentia onde estava.
Na distância de chegar.
Estava.
Nela.
Sua voz já era bem audível.
Pedia,
Conduzia,
Deleitava-se no saboroso francês de Lyon.
A calmaria já transformava-se numa tempestade em meu colo.
Nosso colo.
A cama sussurrava,
gemia ao ritmo franco-brasileiro.
O suor era presente,
visível no ar.
Nosso ar.
Entre e de nós.
A matéria que unia o restante dos corpos.
Subia alto.
Subia.
Forte.
Firme.
Gritava.
...
Descia.

Era minha.
Ah, como era minha.

Segundo Lamento

Quero amar.
Amar no sentido que quiser entender.
Sentir por aqueles olhos que és único.
Que toda sua existência pode ser saboreada neles
e todas as convenções não existam mais.
Não em um individualismo,
menos então de forma pública,
no sentido puro dessa esfera,
mas amar de forma ocasional,
Imprecisa.
Incerta.
Irracional.
Cabe-me apenas desejar,
por mais articuladores que possamos ser,
não seria dessa forma o meu querer.
Poético demais para o amor?
Para o desejar?
Para o formato contemporâneo da sociedade, alguns diriam,
poderia enumera-los,
mas não conheço-a em sua totalidade
e descreio que alguém assim o seja.
Sinto que o amor tornou-se amour,
com toda sua sonoridade e sabor.
A comparação só existe na esfera da diversidade.
E o poeta o que é senão um antropólogo d'alma
ou do irracional que há no mais particular e coletivo sentir.
No ser.
Do ser.

Lamento de um principiar noturno

É tão triste sentir isso.
A noite está triste,
em toda a extensão que ainda não aconteceu.
Olho as horas e lamento
que faltem mais de 6 horas para o dia começar
e eu ser distraído, ou melhor,
me distrair com o mundo.
Mundo que pela minha curiosidade destruiu.
Alterou.
Sumiu com meu amor.
As lembranças de mim mesmo me fazem rir.
e as vezes os outros.
As vezes me dão vontade de voltar.
De chorar.
O que me acalma é Sentir,
Pensar,
Achar,
Que a melhor de minhas lembranças é a que vivo.
A que viverei.
Ou quem sabe no plural.
As lágrimas surgirão,
não mais como vontades,
mas ganharão existência ontológica quando relembrar este presente.
Pois vivo com uma percepção que não tinha nas vivências que recordo agora.
Logo, confunde-se no meu eu
O que foi,
O que eu escutei que foi
e o que eu queria que tivesse sido.
Será que conseguirei enganar o futuro?
Sem que o Alzheimer me ocorra?
Continuo acreditando na criação humana de seu percorrer,
mas são muitos os seres para que meu caminho seja controlado só por mim.
Talvez nem eu o queira assim.

Para esquecer o futuro como regra e só restar aquele que os desejos [e sonhos] querem construir.

À madrugada

Ó minha confidente madrugada,
Onde estavas tu enquanto o sol regia
de forma tictaqueana o meu cotidiano.
Sorte, pudera eu, ter o mundo dos homens pra me distrair.
Sorte, poder, na ignorância mecânica, abstrair de mim mesmo
a sentir como deus sentiria.
Se bem que, até mesmo ele haveria de ser subjetivo demais na vida humana.
Haveria então de eu ser, simplesmente, nada.
A ausência de seu silêncio há de ser a de mim mesmo.
Estou instalado, projetado em ti do mesmo modo que projeto
meus sonhos e todas as doces e belas crenças que possuo.
És fiel,
Até que me troque por outro meridiano.
Me pergunto como seria a vida de um amante seu,
que ousasse servi-la.
Mimá-la.
Acredito que tentaria possuí-la e assim enfrentaria o mundo,
lógico ou não, para transgredir a própria natureza de si própria.
Na melhor das hipóteses,
talvez a mais bem sucedida,
ele acabaria por matá-la.
Deixaria de sê-la.
Não há como possuí-la.
Nem ao menos como mimá-la.
És uma dama que chega para acarinhar o mundo após um dia de muito esforço.
Um dia com muita movimentação e energia.
És a dama que se deita sobre o corpo desfalecido do amante.
És, assim, impossível.
Seja a incapacidade do amante ou o ordenamento tictaqueano, tu vens para ser vivida.
Saboreada.
Vens para possuir e fluir.
Nos devaneios dos que negam o ordenamento ou simplesmente daqueles que o seguem às avessas.
Sua natureza há de ser passageira e, como a minha, querida adorada, noturnamente solitária.